Carta para o jovem Paulo
Itabuna, 04 de novembro de 2009.
Estimado Paulo:
Há mais de um mês procuro tempo para responder sua carta, a priori, quero lhe parabenizar pela sua dissertação de mestrado: “Os antagonismos exegéticos das religiões”. Li sua tese de mestrado, ponto por ponto, por isto, demorei tanto para responder sua missiva, pois sua carta é uma apresentação sucinta do seu trabalho acadêmico com os seus questionamentos e conclui com a discussão da natureza de Deus.
Surpreendi-me com o seu pedido duma análise do seu texto acadêmico, tecesse comentários, desse a minha opinião... Confesso-lhe que inicialmente, o seu pedido inflou o meu ego, senti-me um douto, um sábio, um mestre da dialética, mas tudo caiu por terra quando se acenderam os lampejos da lucidez e dei-me conta que a minha ignorância é maior do que os meus parcos conhecimentos e conclui que o estimado jovem usou o mesmo raciocínio da Pitonisa grega que declarou que dentre todos os gregos, Sócrates era o mais sábio, por ser o único que tinha consciência de sua ignorância.
Não sou um teólogo, não sou um exegeta, levo bronca do nosso pároco por ir aos domingos à missa do Senhor sem a Bíblia e recusar-me fazer a leitura dos textos bíblicos ou participar de algum grupo de oração e evangelização, mas não me incomodo, eu prefiro o anonimato, apenas um crente, um humilde servo de Jesus Cristo...
Sob a palavra de Jesus Cisto deposito a minha esperança na vida eterna e na ressurreição, Ele alimenta a minha fé num Deus criador e misericordioso que pelo poder da oração é dobrado. A história das religiões está cheia de homens e mulheres que Deus lhes tocou, foram divisores na história do pensamento e da ciência, a exemplo de Maomé, Moisés, Abrão, Salomão, Davi, Jesus Cristo, Einstein, Descartes, Galileu, Isaac Newton, Sta. Teresa de Ávila, Santa Catarina de Siena e tantos outros.
Meu caro Paulo, queixa-se da falta de fé, a fé, crença religiosa, não se transfere, não se vende em mercado, em shopping, a fé é um sentimento que se exercita dia-a-dia e se reforça pelas obras e pelo desprendimento e renúncia das coisas iníquas e condutas imorais.
A fé tem que ser sentida, eu lembro-me de um folheto, desses distribuídos pelas igrejas protestantes com mensagens significativas. O folheto narrava a história de um ateu que debochava da palavra de um pregador enquanto ele fazia sua preleção. Ele não se fez de rogado, convidou-o para o púlpito e sem delongas, descascou e começou chupar uma laranja diante do menoscabo e desdém do ateu. Ainda degustando a fruta, de chofre, perguntou-lhe se a laranja estava doce ou azeda, o que deixou o homem atarantado, sem resposta, aí, o orador concluiu que a fé assim como o sabor da fruta, tem que ser sentida, chupada, vivida...
Paulo, a fé por si só, é egoísta e inócua, veja o que diz o Evangelho de Tiago: “Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tiago 2: 14 -26). Por isto, meu caro jovem, sugiro-lhe que comece pelos gestos solidários que a fé vem a reboque.
Noutro trecho de sua carta, justifica sua falta de fé, citando homens e mulheres que contribuíram para ciência, para arte, para filosofia e não encontraram Deus e foram importantes para humanidade e cita dentre outros: “Albert Camus, Schopenhauer, Augusto Comte, Carl Saga, Pablo Neruda, Simone Beauvoir, Freud, James Watson, Machado de Assis, Ângela Carter”.
Não sei se lhe tocará o coração e servirá para melhorar o seu juízo algumas informações que lhe passo agora, nem posso lhe garantir que a desdita, o vazio, a infelicidade e os desencontros desses homens e mulheres foram porque não tinham fé, acreditavam na matéria e sua evolução, mas todos eles, não tiveram uma vida serena nem uma morte tranquila, os conflitos ideológicos e os desajustes pessoais foram os seus principais estigmas.
Sou um tabaréu, não possuo sua desenvoltura científica, não tenho sua intimidade no manuseio da palavra, gostaria de ter essa facilidade para colocá-las no papel o que eu penso, cada palavra que escrevo é espremida e parida com dor, por isto, não sei se lhe estou sendo convincente na análise de sua carta, porém, prometo-lhe esforçar-me para discutir, tecer comentários, doravante, sua dissertação de mestrado: “Os antagonismos exegéticos das religiões”.
Na página 12 do seu trabalho acadêmico, primeiro parágrafo, chamou-me a atenção a proposição: “... os monoteístas atribuem-Lhe imagem e o homem Lhe é semelhante, tornando-O limitado e finito, assim o fizeram os politeístas, só que estes exageraram nos fetiches”. Meu amigo, em Timóteo II, 3:16, diz: “... toda a Bíblia é inspirada por Deus e proveitosa”. Porém, recomendo-lhe que a interpretação dos textos bíblicos não pode ser literal, ademais, a Bíblia ao longo de centenas de anos, deve ter sido modificada e acrescida de termos por força das várias traduções até Johann Gutemberg.
Se o homem continua após a morte em espírito, é esta a semelhança, pois Deus é espírito infinito sem começo nem fim, o homem como sua criatura Lhe é semelhante. Acredito, também, plagiando Rousseau, que o homem é bom por natureza e a sociedade torna-o mau, ruim e desumano, portanto, o homem Lhe é semelhante e não igual em bondade, amor ao outro e, espírito.
Paulo, embora alguns religiosos acreditem que Deus criou o homem à sua “imagem e semelhança”, conforme o livro de Gênesis (Gênesis 1: 26 e 27), salvo as justificativas no parágrafo anterior, é uma figura de estilo, uma construção retórica, um recurso simbólico, usado pelo autor do Livro Sagrado para explicar humanamente o mistério da criação por Deus.
Noutro trecho de sua tese, existe a seguinte afirmação: “... a Trindade é um axioma falso, imposto pela maioria das religiões monoteístas cristãs para explicar a divindade e a natureza de Jesus Cristo, todavia, numa análise mais acurada, três pessoas em uma, é racionalmente impossível”. Meu caro jovem à luz do pensamento lógico, da propriedade física, dou-lhe razão, inclusive, algumas religiões comungam com o seu pensamento, mas permita-me o aforismo: “religião, política e mulher, não se discute se abraça...”, pois a religião, a política e a mulher são eivados de qualidades e defeitos, se priorizarmos os defeitos ou aquilo que consideramos defeitos, por ignorância ou intolerância, nada nos satisfará... A fé nos torna mais tolerante e menos exigente, por isto, aceitemos a Trindade pela fé.
Conheci-lhe ainda imberbe, sua saudosa mãe, D. Cândida, mãe coruja como todas as mães, orgulhosa e ciosa de sua inteligência, intimamente, sofria com o seu desdém, desde cedo, pelo pouco caso que demonstrava com a sua igreja de nascimento, a sua incredulidade, o seu ateísmo, valorizando mais os fatos prováveis, o positivismo, em detrimento da fé, da sensibilidade religiosa e da crença no Criador.
Não possuo capacidade persuasiva para lhe converter, pois sou fraco na escrita e nulo na retórica, ademais, não se converte um ateu através da palavra, talvez, essa conversão seja possível através do exemplo e a dor.
Gostaria de voltar ao assunto da Trindade e lhe dizer que não é, somente, eu e você que temos dúvidas, os padres que conheço e alguns teólogos não me deram ainda, uma explicação convincente, o próprio Jesus Cristo deixou entrelinhas, quando diz: “O Pai é maior do que eu.” (João 10: 36; 6: 57), acrescenta: “Aquele a quem o Pai santificou, e enviou ao mundo, vós dizeis: Blasfemas, porque disse: Sou Filho de Deus?”, completa: “O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação” (Colossenses 1: 15), São Paulo gradua a submissão de cada um: “Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a cabeça da mulher; e Deus a cabeça de Cristo (I Coríntios 11: 3), isto significa que o Pai é um e o Filho é outro... A Bíblia não fala dessa unicidade: “Pai, Filho, Espírito Santo...”, de maneira clara, mas subjacente, a exemplo de João: “Pois há três que dão testemunho no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um.” ( João 5:7).
Querido amigo Paulo, para justificar a minha fé, deixá-la mais racional, encontrei a minha própria interpretação sobre a Trindade e dou-lhe de graça, sem nenhum ônus, peço-lhe apenas, que não a mostre aos seus colegas nem aos seus mestres, eles irão rir da minha tosca imaginação, porém, prefiro ser ridicularizado e não sustentar uma fé vazia:
“O Pai é o Supremo Criador, enquanto o Filho é sua Primeira Criatura feita Homem e o Espírito Santo, é a essência e a natureza divina da Trindade”.
Lá, em sua dissertação, chamou-me a atenção, a tese que o jovem amigo desenvolve acerca do tempo. Achei o contraditório brilhante enquanto raciocínio científico, todos esses fatos, sobejamente comprovados com o auxílio do carbono C-14, de efeito retroativo do tempo, porém, permita-me meter o bedelho em sua tese, tomando como referência o parágrafo final do seu trabalho acadêmico: “... negar a importância da Bíblia como um dos principais livros da Historia Universal da Humanidade é tapar o Sol com uma peneira, todavia, à luz da ciência, muitos fatos não se sustentam pela incoerência do tempo, o tempo é negligenciado em todo o Velho Testamento, os teólogos argumentam que Deus é atemporal, mas os autores dos Livros Sagrados eram humanos, tinham compromissos com o tempo e a verdade dos fatos”.
Paulo, eu agradeço a Deus por ter me dado vida, muito tempo de vida, para gozar as coisas boas e ruins do mundo. As coisas mundanas se gozam na mocidade, quando não temos idéia da morte e a luxúria e os prazeres da carne tomam o nosso corpo e a nossa alma. Quando os cabelos se fazem encanecidos, as paixões diminuem e tomamos consciência da nossa fragilidade, da nossa pequenez, é que nos agarramos à esperança de vida eterna e nas promessas de Jesus Cristo. Noutras palavras, não enxergamos as coisas somente com os olhos da ciência, os olhos da fé são mais importantes, por isto, posso lhe dizer com devida vênia que o seu trabalho carece de alguns complementos, porque o tempo não é somente cíclico, o tempo também é cósmico e metafísico, Deus se mexe no tempo espiritual, em que o passado, o presente e o futuro é o agora, no livro de Pedro está escrito: “Mas, amados, não ignoreis uma coisa, que um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia” (II Pedro 3: 8).
Paulo, eu peço-lhe paciência, sei que todo jovem é apressado, você não é exceção, irá queixar-se do tamanho desta missiva, por isto, eu vou apressar o desfecho desta carta, não vou analisar todos os pontos de sua dissertação, porém, permita-me que eu teça alguns comentários naquilo que é mais importante: a natureza de Jesus Cristo. O seu juízo: “... Jesus Cristo não é o Filho unigênito de Deus. Nele a Igreja Católica se inspira e foi fundada há dois mil anos. Ele tem a mesma importância religiosa, filosófica e histórica de um Maomé, de um Moisés, de um Salomão, de um Davi, de um Abrão e doutros expoentes religiosos, do budismo, do hinduísmo, do confucionismo etc.” Meu amigo, eu quase caio de costa quanto li este texto, pela heresia e pela ignorância exegética dos textos proféticos e escatológicos do Antigo e Novo Testamento.
Estimado amigo, não se pode negar a importância religiosa e histórica desses homens, eles mudaram o rumo da História, porém, foram homens santos e pecadores, que por desígnios de Deus foram escolhidos, todavia, não podemos compará-los a Jesus Cristo em santidade, providência e autoridade. Se Jesus não é o Filho unigênito de Deus, toda a Escritura é uma fraude, pois sua vinda é anunciada desde o princípio dos tempos: “E os teus ouvidos ouvirão a palavra do que está por detrás de ti, dizendo: Este é o caminho, andai nele, sem vos desviardes nem para a direita nem para a esquerda (Is 30: 21); “E, sendo Ele consumado, veio a ser a causa da eterna salvação para todos os que Lhe obedecem” (Hb 5: 9).
Se analisarmos a história de vida dos demais homens de Deus, veremos que eles foram guerreiros, pastores, negociantes, reis, pais de família, com mais de um casamento e muitos filhos, tomemos, por exemplo, o profeta Maomé, com o maior número de adeptos do mundo depois de Jesus Cristo.
Maomé, o maior profeta dos muçulmanos, nasceu em Meca no ano 570 a.C., foi comerciante na juventude, analfabeto, teve dois casamentos, sua primeira mulher foi Kadidja, uma viúva rica, mais velha 15 anos do que Maomé. Cultivava desde a juventude, retiro espiritual, num desses retiros, encontrou-se com o arcanjo Gabriel no monte Hirã que lhe confia à missão de falar de um Deus vivo, criador dos céus e da Terra, no meio duma cultura politeísta.
Maomé imprimiu o islamismo através da força e dos conchavos políticos. A História registra que ele participou de umas 26 batalhas e consolida sua vitória na batalha de Khandaq com um exército 10 mil homens.
Maomé morreu em Medina aos 63 anos, mas a cidade do Profeta é Meca e o seu livro sagrado é o Corão. Não realizou nenhum milagre, para os quase 2 bilhões de adeptos, ele não é santo, mas um homem santo, escolhido por Deus.
Amigo, sua tese da não divindade de Jesus Cristo não se sustenta, compará-los aos demais homens de Deus, é uma ignomínia, as Escrituras testificam – No, como o Príncipe da vida: “E matastes o Príncipe da vida, ao qual Deus ressuscitou dentre os mortos, do que nós somos testemunhas” (Atos 3:15).
Enfim, espero que o jovem ateu amigo seja um ateu como aquele ateu dono de farmácia: por descuido, vendeu por engano, veneno a uma garota esbaforida que clamava socorro para sua mãe, assim que a garota saiu, o ateu deu-se conta da desgraça, não claudicou, ajoelhou-se e orou a Deus sua intercessão e o milagre aconteceu pouco tempo depois: a menina voltou, chorosa, que pela pressa, caiu e o frasco quebrou...
Cordialmente, o seu velho amigo,
R
Autor: Rilvan Batista de Santana
Gênero: carta.