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Carta para ATIR


Carta para Atir

R. Santana


Querida Atir:



Hoje, li e reli suas correspondências. Suspirei e degustei cada palavra e cheguei transpirar de emoção. Suas palavras me transportam para adolescência, elas têm um efeito mágico, acho que só uma pessoa especial pode expressar tanto encanto.
Às vexes, gozo de alegria quando tu me tratas de “homem pensante”, como se fosse possível pensar um homem apaixonado. O homem apaixonado age, o homem pensante deita-se na rede dos seus pensamentos e fica preso aos ditames da razão. Se tu me perguntares quais dos dois homens que mais admiro, dir-te-ei, apenas, que a razão é a feiúra do ser e a paixão a face bonita da alma. Loucura? Sim! Há algo mais bonito do que a loucura do bem querer? Não! Por isto, convido-lhe para uma elegia à paixão.
O amor é um sentimento fraco, racional, de renúncia, de compreensão, pálido, próprio das almas fracas; enquanto a paixão é um sentimento forte, de posse, irracional, que rejeita preceitos moralistas e a renúncia é execrada. Acho que Nietzsche diria que o amor é o sentimento do homem inferior, do débil de vontade, do fraco de poder e a paixão é forte, inconseqüente, destemida, própria dos caracteres fortes e impávidos, traço do super-homem nietzschiano.
Bem, acho que tens razão quando tu me chamas de ”homem pensante”, pois desde que te conheci não fiz nada para romper os grilhões das circunstâncias e ter corrido ao teu encontro, te possuir e publicar ao mundo que estou apaixonado por uma mulher que me seduziu com palavras.
Goethe teve razão ao afirmar que: “pensar é fácil. Agir é difícil. Agir conforme o que pensamos isso ainda o é mais”. Tu tens razão, repito, estou na categoria dos fracos dos pusilânimes, dos homens pensantes...


A história está cheia de homens pensantes e homens apaixonados. Quem conhece o poema de Dirceu e Marília de Tomás Antônio Gonzaga que no seu desterro africano dedica à sua amada Maria Dorotéia. Sentimento arrebatador e impossível que só finda com a morte do poeta. Marília de Dirceu é um culto ao amor e não à paixão.
Mas se tu, Atir, lerdes o Conde de Monte Cristo de Dumas, verás a diferença do amor e da paixão. Edmond Dantes, preso por uma conspiração política, após uma noite de amor com sua Mercedes, é mandado para uma ilha distante e permanece no calabouço por anos a fio e lá tem a ventura de encontrar na prisão o abade Faria que lhe deixou um tesouro, uma fortuna incalculável.
Dado como morto pelos falsos amigos e esquecido por Mercedes, volta à França, depois de salvar o seu filho de um encenado seqüestro em Roma, arruína o seu principal inimigo, Fernand Mondego, marido de Mercedes e pai intruso do seu filho e Mercedes.
Castro Alves, homem de muitas paixões e nenhum amor. Moço bonito, vozeirão possante, além de poeta, passou à história como um dos homens mais apaixonados do seu tempo. Talvez, tenha amado Idalina, jovem pernambucana, mas sua paixão desmedida foi a atriz portuguesa Eugênia Câmara. Naquela época, atriz e prostituta se confundiam, Castro Alves não teve pejo, desfilou com sua amante Eugênia Câmara nos teatros, concertos musicais e saraus da Bahia, Rio e São Paulo, sob a censura de famílias tradicionais, a rejeição de alguns amigos e o olhar de concupiscência dos invejosos.
Dentre as mulheres apaixonadas da História, não se pode esquecer de Messalina, a terceira mulher do imperador Cláudio que numa noite de amor nos jardins do palácio, papou vários cortesãos, colocando uma coroa na estátua do deus Eros, a cada ato de prazer e pela manhã, expressa sua insatisfação erótica na célebre frase: “estou cansada, mas não saciada”.
A rainha egípcia Cleópatra também usou e abusou do seu corpo para se manter no poder, seduzindo Júlio César, imperador romano, general de muitas batalhas. Júlio César, primeiro dos césares, não resistiu aos encantos sexuais da rainha de nariz aquilino e a história registra que até filho lhe deu.
Mas a paixão de Cleópatra era movida mais por interesse de poder do que por apetite libidinoso e quando César foi assassinado por Brutus, Cleópatra se joga nos braços de Marco Antônio, principal triunvirato do governo de Roma e lhe deu dois filhos, morrendo depois picada por uma cobra, quando percebeu que suas urdiduras e faceirices deixaram de ser.

Maria Madalena, Maria Antonieta e Joana D´Arc são símbolos de paixão e de luxúria desmedidas e não símbolos do amor. Todavia, a História e a Igreja Católica redimem os pecados de Maria Madalena depois do seu encontro com Jesus Cristo.
Capitu de Machado de Assis - olhos de ressaca, oblíquos e dissimulados -, é talvez, o símbolo da mulher que mais sofreu e morreu por amor. Injuriada por Bentinho de tê-lo traído com Escobar, seu principal amigo e confidente. Com a morte de Escobar, Bentinho vê no seu filho Ezequiel, à medida que cresce, a ressurreição de Escobar noutro corpo.
Capitu sem voz e sem vez, é levada a um exílio forçado pelo marido, que a deixa com Ezequiel em um país da Europa, longe de tudo e de todos, sem lhe conceder o benefício da dúvida. Anos depois, ela morre por amor, ultrajada, esquecida e abandonada. Ezequiel, Escobar aos olhos de Bentinho, é quem lhe dar a notícia, morrendo logo depois numa expedição científica no Egito se não me falha a memória. E assim, fecha-se a história de uma mulher que desde adolescência amou e enamorou o seu único homem: Bento Santiago.
Querida Atir, depois desta enxurrada de palavras, prolixidade e exemplos, de paixões e de amor, rendo-me às tuas palavras de “caríssimo”, de “homem pensante”, de “sua admiradora”. Fazer o quê? Nada! Não tenho a têmpera dos fortes, o destemor dos valentes. Se bebesse iria afogar as minhas mágoas num copo na mesa de um bar como fizeram Noel e Vinícius, resta-me então, dizer-te: tu tens razão mulher de paixão!...

Do homem pensante,

Narvil

Autor: Rilvan Batista de Santana - Academia de Letras de Itabuna-ALITA






 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 03/06/2012
Alterado em 03/08/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr