Textos


                                                                      A Censura
                                                                      R. Santana

     A censura é uma prática não recomendável mesmo que seja institucional. Quantos espíritos brilhantes deixam de colocar no papel suas idéias, inibidos pela censura da gramática e a censura oral? Milhões. Nem todos tiveram a sorte de Cristo, Maomé e Sócrates que não escreveram uma linha e suas idéias foram perenizadas pelos discípulos.
     O Dr. Praxedes, de O gramático, de Artur de Azevedo ainda é comum nos dias atuais. Às vezes, esbarramos em censores da língua de maneira indelicada e graciosa. Não raro encontramos um ”Dr. Praxedes” que nos corrige em situações adversas e constrangedoras. Hoje, em que filólogos e lingüistas estão convencidos do que a comunicação e a informação são mais importantes do que as filigranas gramaticais, há indivíduo que ao invés de valorizar o significado das idéias, o pensamento de um orador ou escritor, ele se preocupa com os pequenos solecismos e erros gramaticais que, às vezes, são de somenos importância na construção de um conjunto..
     Aqui não é uma apologia ao erro. Os erros ortográficos, as cacofonias, os erros gramaticais, devem ser corrigidos porque geram situações hilariantes, grotescas e dúbias, eis alguns exemplos:

          -Só capim canela!
          -Uma mulher como ela, eu jamais encontrarei!
          -Meu coração por ti gela, meus sentimentos por ti são duradouros!
          -Devem fazer cinco anos que nossos pais morreram!
          -Traga um copo de água para mim beber! – Quando as situações são dúbias, podem gerar até briga:

          -José, aquele sujeito falou que só sai de casa com sua mãe.
          -Paulo, acho que ele sai é com sua mãe,
          -Minha mãe não!
          -Então, ele vai ter que provar isso!
          -Calma, José. Não é isso que você pensou. Ele quis dizer com “sua mãe”, ou seja, com a mãe dele.

          -Pedro, se eu lavo não cozinho se eu cozinho não lavo!...

     Além daqueles que gostam de patrulhar os erros gramaticais e os vícios de linguagem, existem os afetados, os esnobes e vaidosos que vão ao fundo do dicionário e da gramática. Há um dito de um famoso político brasileiro que questionado por um jornalista por que razão tinha feito determinada coisa, ele responde:

          - Fi-lo porque qui-lo! – Os entendidos dizem que é uma construção correta... Os pronomes enclíticos substituem o z e o s, desinências dos verbos fazer e querer.

     Outro político que não era letrado, explicando na Assembléia da Bahia que seu irmão (prefeito), tinha usado a verba em trabalho de infra-estrutura na cidade itabunense:
 
     - ...Calçou-las e aterrou-las! – E um colega seu mais atirado, completa: - aquele povo comia numa cuinha, agora, eles vão comer num cuião!...

     Há frases de pessoas famosas que embora esdrúxulas, foram marcantes e comunicativas e também, foram usadas pela mídia e produtoras de marketing para vender seus produtos por longo tempo, além delas terem sido incorporadas ao folclore e ao humorismo nacionais:

     “Haja o que hajar, o Corinthians será campeão” – Vicente Matheus

     “Cachorro também é ser humano.” - Antônio Rogério Magri

     ”Fernando Henrique foi o 2º melhor presidente do Brasil. O 1º foram todos os outros." - José Simão

     "A bola ia indo...indo...e iu !!!" – Paulo Nunes

     “O Sócrates é invendável, inegociável e imprestável” – Vicente Matheus

     O idioma é vivo e mutável. As convenções são passageiras, o termo errado e inexistente atualmente, poderá constar no léxico de amanhã. Quem pode jurar pelos santos dos céus que menas, somenas, e outras palavras que o povo insiste em falar não estarão no Aurélio de amanhã? Ninguém.
     Nestor Passos, era um impoluto intelectual itabunense, ao contrário de Dr. Praxedes, que se irritava com seus contemporâneos que cometiam deslizes gramaticais, Passos era incapaz de censurar ou apontar o erro lingüístico de uma pessoa. Se por dever profissional (ex-padre e professor de português e filosofia), tivesse de fazê-lo, o faria com atalhos e rodeios para não melindrar e constranger o seu interlocutor que invariavelmente era um dos seus alunos.
     Seus conterrâneos gostavam de aludir um feito intelectual de Passos a nível de estado baiano: quando ainda era padre (licenciou-se para casar), concorreu com dezenas de candidatos à cátedra de latim de uma universidade federal do seu estado e foi aprovado em primeiro lugar. Isto demonstra sua sapiência e é citado a título de exemplo. Sua capacidade intelectual era grande não pela arrogância dos seus conhecimentos, porém pela generosidade que tinha com o outro.
     Aquele que sabe é simples e compreensivo com aquele que não sabe, pois enxerga nele suas limitações e reconhece que somente Deus é a fonte do conhecimento e da verdade.

     Chacrinha, gênio da comunicação, resumiu o objetivo primeiro da língua: - Quem não se comunica, se trumbica!...
     – E, Eça de Queiroz completa: - Falar bem o nosso idioma é pronunciar mal o idioma estrangeiro.
 
 
 
Autor: Rilvan Batista de Santana
Gênero: Crônica
MEMBRO DA ALITA







 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 02/06/2012
Alterado em 06/09/2023


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr