Amado Jorge
Amado Jorge
R. Santana
O nosso amado Jorge Amado não nasceu para pertencer a um lugar, mas nasceu para ser universal. Seus biógrafos tiveram o trabalho inicial de delimitar o lugar do seu nascimento por conta de algumas interpretações bairristas dos seus conterrâneos. Porém, nunca houve dúvida que Jorge Amado era brasileiro, baiano, adepto do candomblé e era Obá de Xangô no Ilê Opó Afonjá, comunista, jornalista e escritor. Todavia, tergiversava-se se ele era soteropolitano, ilheense, itabunense, pirangiense, itajuipense ou mesmo filho da fazenda Auricídia. Naquela época, com exceção da jovem Itabuna, tudo era município de Ilhéus, consequentemente, para os doutos de meia tigela, Jorge Amado era ilheense. Entretanto, a história é construída de fatos verdadeiros que podem ser dúbios no nascedouro mas incontestáveis no final: Jorge Amado foi registrado em 10 de agosto de 1912, Ferradas-Iabuna, Bahia, Brasil e ponto final.
Na minha juventude, estudante do antiqüíssimo curso “científico”, hoje, com o rótulo de médio, comecei gostar de literatura. Li os românticos, os realistas, os simbolistas, os parnasianistas, os barroquenses, escritores brasileiros e portugueses. Tudo lindo, tudo bonito, gênios da palavra, mas fiquei enamorado dos modernistas, dos regionalistas. Quem não viaja na leitura de uma Rachel de Queiroz, de um José Lins do Rego, de um Érico Veríssimo, de um Adonias Filho, de um Graciliano Ramos, de um Jorge Amado e por aí afora? Todos.
Claro que não se pode empanar o gênio de um José de Alencar, de um Bernardo Guimarães, de um Eça de Queiroz, de um Camões, de um Castro Alves, de um Fagundes Varela, de um Artur de Azevedo, de um Aluísio de Azevedo e de um Machado de Assis. Todavia, para o tabaréu que sou, sem muitos dotes intelectuais e culturais, a prosa regionalista que fala da terra, do chão que piso, das mazelas não muito distantes de um povo ignorante, de pouco saber, é essa prosa que gosto. E, quem pintou com cores fortes, divertimento, lucidez e ousadia essa prosa regional? Jorge Amado!...
Comecei ler Jorge Amado depois que sua obra mais conhecida “Gabriela, cravo e canela”, virou novela, na Rede Globo, adaptação de Walter George Durst, com Sônia Braga, José Wilker e Paulo Gracindo nos papéis principais. Lembro-me que antes dessa novela, havia uma censura velada de suas obras, uma rejeição subjacente dos intelectuais, por considerá-lo desbocado, pornográfico, de poucos recursos gramaticais, uma subliteratura. As escolas, os professores, raramente usavam os seus textos na aprendizagem de seus educandos. Hoje, graças a Deus e ao bom senso, ele é um dos autores mais lidos e traduzidos em mais de 50 países, com adaptações no cinema e na televisão de suas obras. O erotismo de seus personagens, pode ser lido por ingênuos meninos que ainda estão fazendo a 1ª. Comunhão da Igreja Católica, comparado ao erotismo dos personagens de um “Budas ditosos” de João Ubaldo Ribeiro e de outros romancistas do gênero.
Sua obra “Gabriela, cravo e canela”, é um poema em forma de romance. Seus personagens possuem uma ingenuidade, uma simplicidade e uma pureza de sentimentos que somente Jorge Amado sabia descrevê-los Quando João Fulgêncio tenta justificar e compreender as travessuras e a natureza infiel de Gabriela para o turco Nacib, o faz como se estivesse recitando um verso: “Nacib, certas flores são belas e perfumadas enquanto estão nos galhos, nos jardins. Levadas pros jarros, mesmo jarros de prata, ficam murchas,morrem”.
Em Gabriela, cravo e canela, Jorge Amado narra à derrocada política dos coronéis do cacau que governavam entrincheirados por jagunços, em que prevalecia o poder de fogo de cada fazendeiro para decisão e homologação de resultados eleitoreiros viciados e cheios de fraudes.
Os coronéis Ramiro Bastos, Melk Tavares e Amâncio Leal são os últimos remanescentes desse período arbitrário e autoritário das terras do sem fim. Esses personagens em Gabriela, cravo e canela, representavam um passado de lutas, de sangue derramado, de caxixes e de banditismo que duma forma ou doutra, tinham construído a civilização do cacau e Ilhéus era a cidade símbolo dessa civilização.
Por outro lado, Capitão, Doutor, Ezequiel e Mundinho Falcão, representavam o novo, o império da lei, novos métodos administrativos, novas ideologias estribadas em ações políticas comuns, cujo principal beneficiado era o povo.
O romance de Gabriela e Nacib, o crime da mulher do coronel Jesuíno e do seu amante, as raparigas e o cabaré de Maria Machadão, eram os condimentos necessários para o tempero desse romance e dessa história da civilização do cacau. Onde já se viu uma civilização sem esses ingredientes? Mesmo as civilizações mais primitivas, têm lutas, têm crimes, têm traições, têm paixões, têm amores impossíveis e tem o homem.
"Tocaia grande" é a odisséia do cacau. A odisséia que Homero não escreveu porque não era baiano mas, a odisséia que Jorge Amado escreveu porque não era grego, com as cores vermelhas do sangue derramado dos jagunço e de homens que não arredavam pé do seu pedacinho de terra e terminavam estirados nos pastos servindo de comida para os abutres e de carniças para os urubus.
“Tocaia grande” é o foro onde o capitão Natário da Fonseca e sua corja assinam a escritura do crime da terra, outorgando ao coronel Boaventura Andrade o direito de estender seus domínios por sesmarias de terras virgens, sem dono. Transformando dentre em pouco, o maior produtor de cacau daquela época e tendo como principal dispêndio, a compra de duas dúzias de rifles e munição.
Em Tocaia grande, Tieta e Tereza Batista, são as obras que Jorge Amado mais explora o lado sensual e erótico dos seus personagens. O sexo, o sexo promíscuo das raparigas, das concubinas, das amantes e dos papa-crias, ele não ter sido considerado pela crítica especializada, durante algum tempo, um escritor de gênio universal.
Vejo em Dona Flor e seus dois maridos, A morte e a morte de Quincas Berro Dágua, o Jorge Amado místico, irreverente, que envereda nos fenômenos metafísicos com humor, hilariante, explorando o lado ingênuo dos seus personagens e sua miséria social, dando também, uma pincelada na sensualidade e no prazer que é a principal finalidade do homem para ser feliz. A morte não é o fim em si, mas uma mudança de plano.
Embora haja alguns senões da crítica especializada e Jorge Amado não tenha sido virtuoso, um mestre do idioma, foi um escritor preocupado em transformar seus vilões, em personagens vítimas de um contexto de exploração trabalhista e injustiças sociais. Não era um erudito, era um romancista popular. Não tinha a erudição autodidata de um Graciliano Ramos, de um José Lins do Rego, de uma Rachel de Queiroz e de um desconhecido Franklin Távora, que falam do sertão, dos cangaceiros e da fuga do sertanejo pela inclemência do sol e falta de chuva, pasto para engorda do gado, com maestria e leveza. Jorge Amado preferia explorar o lado romântico e mundano dos jagunços e dos coronéis. A vida de engodo das meretrizes e concubinas, a carolice das sinhás e o fanatismo singelo e simples da maioria daquele povo que construiu o Sul da Bahia.
E, quando Jorge Amado adentrava em outras plagas literárias, a exemplo da biografia de Carlos Prestes em o Cavaleiro da esperança, e a história do comunismo brasileiro nos Subterrâneos da liberdade, ou quando ele dá uma de biógrafo em "A. B. C. de Casto Alves" ou quando ele narra as futricas, as intrigas, a ascensão e o poder da Academia Brasileira de Letras, em "Farda, fardão camisola de dormir", ele torna-se um autor maçante, de erudição chata e superficial, mas o veio de um romancista desenvolto, lúcido e inteligente que mesmo fora de sua seara faz história, é visível. Tomba, alquebrado pela idade e pela doença, o Obá de Xangô, em sua Bahia, na cidade de Salvador, em 06 de agosto de 2001, aos 89 anos, o maior romancista dos tempos atuais, do Brasil.