A C R U Z
R. Santana
“Tens tu lido
Da dura cruz
Na qual Jesus morreu,
Desfazendo as trevas raiou a luz,
Manando sangue seu?”
Conta-se que um fazendeiro do interior da Bahia vivia sempre reclamando e maldizendo-se da vida. Fazia da rotina pessimismo. Se o céu escurecesse durante o dia, prenunciava tempestade, se fizesse sol mais de uma semana, achava que ia haver uma calamidade!... Se houvesse um déficit anual de sua produção agrícola em decorrência das intempéries da natureza, culpava todos os Santos que conhecia. Reclamava da mulher, dos filhos, dos empregados, pelos seus infortúnios. Em suma: era um rabugento insuportável de dar porre em Sonrisal...
Certo dia, depois de farto jantar, foi mais cedo pra cama. Sonhou que tinha morrido e ido para o céu. No céu foi recebido com alegria por São Pedro e sua staff. Ficou surpreso pela auspiciosa recepção. Quis se desculpar mas, São Pedro adiantou:
- Filho lembra-se das palavras do Mestre? Ele disse: “... haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão”.
O lamuriento começou percorrer as ruas, as praças, os condomínios e os shoppings. Quando em vez, reclamava do desperdício, dos transeuntes, da suntuosidade, da fartura alimentícia e do fausto. E, para o anjo que o acompanhava:
- Isso é um desperdício. Não há controle das contas públicas? É o caos!... – O Anjo lhe explicava que no céu era diferente da Terra. Não havia Tribunais de Contas, Ministério da Fazenda, Banco Central, Controladoria Geral da União, impostos... e completava: - aqui todos trabalham em mutirão, cada um prover sua casa de acordo suas necessidades - o fazendeiro interrompia: - e os desonestos? Os mais argutos? – O Anjo discorria que lá não havia ladrão ou desonestos de qualquer espécie, todos tinham consigo o Espírito Santo e andavam de acordo a palavra do Mestre. E se alguém saísse da linha, voltaria para Terra para purgar seus pecados. Desonestidade, crime de morte e outros crimes eram coisas de seres imperfeitos da Terra e de outras casas de Deus, nos céus somente os redimidos do pecado. O nosso amargo amigo ouviu, ouviu mas saiu dali atendido sem ser convencido.
No terceiro e último dia de sua estada no céu, já chateado e irritado com tanta alegria e felicidade daquele povo, procurou São Pedro: - São Pedro, quero voltar para Terra. A minha fazenda está entregue aos cuidados daqueles incompetentes, se eu demorar aqui só vou encontrar o casco! – São Pedro: - calma filho, sua fazenda está em boas mãos, os seus lhes são fiéis... quer conhecer o Cartório de Registro? Vamos lá? – O fazendeiro, mesmo a contragosto, não poderia ser ingrato aos auspícios recebidos ali. Apenas, solicitou de São Pedro que o mandasse de volta às suas terras logo.
O Cartório de Registro ocupava um quarteirão com vários departamentos. As prateleiras estavam lotadas de livros. Havia um movimento enorme de pessoas trabalhando. São Pedro percorria as salas, era um cicerone perfeito. Era estimado e venerado por todos. Após algum tempo de visita, chegaram a um departamento lotado de cruzes de madeira, de ferro, de latão, de prata, de ouro... umas pequenas, outras médias, outras grandes e outras enormes! Todas simetricamente arrumadas. O lamurioso fazendeiro ficou curioso pela diversificação das peças, não entendia porque tantas variedades e tamanhos, quais os significados? Não eram todas peças cruzes? E, passou para São Pedro suas preocupações...
- Filho, cada cruz aqui, representa uma pessoa na Terra, cada pessoa lá tem sua cruz. As cruzes de madeira representam a maioria das pessoas, as de metais representam homens e mulheres que lutam em favor da humanidade, quanto maior é a cruz, maior é sua tribulação, há cruzes de vidro, de plástico, marfim, gesso... – o fazendeiro estava intrigado, qual daquelas cruzes seria a dele? Mas não podia romper a indiscrição, será que São Pedro poderia lhe informar? Ou, eram informações sigilosas que só o Criador era detentor? Mas arriscou:
- São Pedro, eu conheço alguns donos dessas cruzes? – Sim! Nesta sala estão todas pessoas do seu convívio. Aquela cruz é de Antônio seu vizinho (enorme), a outra de Pedro seu tio, a outra de Manoel seu cunhado, e foi nomeando.... Cada cruz uma maior do que a outra – faltou-lhe paciência, perguntou: - a minha São Pedro?
- a sua é aquela – apontou - a maior da esquerda? – não, é aquela do fundo a menor de todas! – Não podia acreditar, com tantas tribulações, carregava a menor cruz daquele salão, irritado perguntou: - e a cruz de Maria, minha mulher? – São Pedro apontou a maior de todas à direita – não é possível, ela é bem maior do que a minha! Eu que me acabo para sustentá-la - São Pedro justifica:
- É filho, Maria caminha com você, para que maior atribulação? Maior, só a cruz do Mestre que nela morreu para redenção dos nossos pecados!...
“achamos sempre que a cruz do outro é menor do que a nossa!...”
Autor: Rilvan Batista de Santana
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Membro da Acadenia de Letras de Itabuna - ALITA
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