Textos


Dona Maria - R. Santana

(O perfeccionista)

 

     Naquela época, na época de Zenaide Maglhães. O Instituto Municipal de Educação – IMEAM, ele funcionava em vários lugares: Rua do Zinco (à noite, funcionava a Faculdade de Economia de Itabuna - FACEI), no Bairro de Fátima (Rua São José), e, na Sementeira 8 salas mais sala de direção e sanitários femininos e masculinos.

     Oduque ganhou a eleição (1973), fui designado para “Assistente Administrativo” do vespertino na Sementeira, eu era o mandachuva da tarde, com menos de 30 anos de idade, não pensava em morte, em doença, para mim, tudo tinha que ser perfeito, honesto e ético. Não gostava de preguiçoso nem de gente “enrolada”

     Eu era o primeiro que chegava e o último que saía, chovesse, trovejasse, relampejasse, tivesse um Sol pra cada um, eu estaria lá, cuidando dos alunos, dos professores e do pessoal de apoio, se o indivíduo trastejasse por motivo fútil, no fim do mês, o salário vinha descontado no seu holerite. O indivíduo, reclamava, bufava, xingava minha mãe (às escondidas), mas, eu lhe dava exemplo de não negligenciar o trabalho, no mês subsequente, ele se “ajustava”

     Bem, se arrependimento matasse, eu já teria morrido muitas vezes, porém, sei que Deus já me perdoou o que fiz com dona Maria que há anos foi recolhida para morar num cantinho do céu. Tenho o coração limpo e a consciência tranquila, nunca humilhei nenhum subalterno, porém, era exigente na condução do trabalho, era perfeccionista, ainda hoje, eu o sou, é de natureza, qualquer atividade, tem que sair perfeita, nem que a eu tenha de repetir muitas vezes pra encontrar o meu ponto de perfeição.

     Dona Maria era uma mulher rechonchuda (não chegava à obesidade), alegre, paciente, que trabalhava fazia muitos anos na prefeitura de nossa cidade. Sua idade já beirava aos 65 anos, não tinha ainda se aposentado porque gostava demais da escola e morava frente com frente, em questão de segundos, ela estava na escola e vice-versa,

     Embora com idade provecta, ela era ágil e trabalhadeira, começou cismar comigo com razão: quando eu chegava, antes de abrir os portões para o alunado, eu ia de carteira em carteira com o dedo em riste, escrevendo se encontrasse alguma poeira, depois a limpeza dos sanitários, aí, se tivesse algum mal feito, dona Maria teria que refazer o trabalho. Não na minha presença, mas para seus íntimos, ela me xingava de idiota, incompetente, filho de uma ronca e fuça e outros adjetivos impróprios. Os puxam sacos colocavam-me a par da situação, eu fazia ouvidos moucos.

     Naquela sexta-feira do de 1974 ou 1975, dona Maria, muito alegre brincou com os professores e alunos e até comigo e foi pra casa depois do expediente vendendo saúde e alegria, na segunda-feira subsequente, quando cheguei à Sementeira e soube do ocorrido: morte súbita. Nunca tinha chorado depois de adulto, mas chorei igual uma criança e magoado porque a família não ter me avisado, não sei se propositadamente ou, eles não souberam me localizar. Naquela época não havia WhatsApp e o telefone fixo era privilégio de poucos.

     Eu gostava demais da velha, ela morreu sem conhecer esses sentimentos, é que, por natureza, não confundia obrigação e devoção. Gostava dela, ela lembrava a minha mãe adotiva, mas, o cumprimento do dever estava acima dos sentimentos de empatia, lamentavelmente, eu priorizava o bem-estar de 300 alunos e uns 30 professores, além de outros funcionários, queria tudo em ordem, sem negligência.

     O tempo é o senhor da razão. Hoje, com os cabelos encanecidos, após afastar do caminho muitas pedras e desviar-me de muitos buracos, entendi que perfeito só Deus, nós somos vulneráveis, imperfeitos, finitos e mortais, enfim, nós não somos nadica de nada... 

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons

Membro da Academia de Letras de Itabuna - ALITA

Imagem: Google

 

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 30/12/2023
Alterado em 17/01/2024


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr