Textos


A vingança é um prato quente - R. Santana

 

     Não me lembro o ano, já disse aos meus leitores que não sou bom em guardar datas, talvez, seja um mecanismo psicológico de defesa pra não me lembrar da idade, porém, deve ter sido no inicio dos anos 70 que essa história que vou lhe contar ocorreu. Naquela época, as mudanças no ensino se faziam necessárias, o famoso “decoreba” estava em extinção, os mestres exigiam que seus alunos entendessem e correlacionassem os conteúdos e não os decorassem apenas.

     Antes que algum incauto faça a correção do título, eu o farei antes: depois que Mário Puzzo, na fala de Dom Corleone: “a vingança é um prato que se come frio”, isto é, a ação de vingar tem que ser paciente, fria, sem pressa, momento certo, oportuna, sem atropelo, enquanto “a vingança é um prato quente”, que significa que a desforra foi de imediato, no calor do ódio, a punição.

     Renato, um rapaz alto, simpático, inteligente, mas gozador e insidioso. Quando em vez, ele debochava comigo por causa da minha altura: “este baixinho quando crescer...”, eu ficava fulo da vida, porém, não lhe dizia nada (apelido quanto mais se rejeita, mais fica), doía muito quando fazia graça na presença de Maria da Conceição, menina que eu a desejava no fulgor e paixão de minha juventude.

     Nunca fui aluno brilhante, a inibição e a timidez me acompanharam sempre, o raciocínio não fluía bem em público, as palavras não saiam com facilidade, “a primeira impressão é que fica” me foi tirada, passava a impressão de aluno obtuso, salvava-me o gosto pela leitura e o gosto pela escrita. Na escrita o adversário se apequenava não diante do aluno mais brilhante, mas do mais esforçado. O domínio do conteúdo e o dom da escrita me faziam aluno diferenciado nas avaliações da escola.

     Naquele dia, prova de Biologia, eu e Renato ficamos na mesma fileira das carteiras escolares, minha carteira na frente da sua carteira, as minhas costas impediam que ele colasse as minhas respostas, fi-lo de maneira propositada, Renato não tinha a visibilidade de minha prova, mas poderia lhe dar as respostas com o artifício do papelzinho por baixo da carteira com a mão esquerda.

     Naquele dia distante, eu e Conceição flertávamos quando Renato se aproximou de onde estávamos:

- Colega, esta moça não é pra nanico, é pra homem crescido... – tive um momento raro de presença poética:

 

- Renato, todos nós somos pequenos diante dos mistérios da natureza, talvez, eu seja o galho que irá sustentar essa flor da terra do cacau – Maria da Conceição achou genial, porém, eu saí dali com a autoestima lá embaixo...

 

Day After:

 

O professor passou entre as fileiras distribuindo as provas de Biologia, quando eu a abri, notei que era uma prova objetiva de 10 quesitos com alternativas: “a”, “b”, “c” e “d”. Com a cabeça de matemático, de imediato, calculei que teria de assinalar 10 respostas certas em 40 perguntas. Olhei de esguelha a prova de Renato e percebi que era a mesma prova, não demorou muito, ele cochichou que não sabia nada e queria que o ajudasse, fi-lo com prazer e maldade: dei-lhe todas as alternativas erradas.

 

Uma semana depois, o professor Salvador devolveu as provas, nominando o aluno, a nota e alguns comentários depreciativos:

 

- José Carlos, 7,0 (sete), nota razoável...

 

- Conceição, 6,0 (seis), estude mais, senhorita!

 

- Eliane, 9,0 (nove), ótimo...

 

- Renato, 1,0 (um), estude mais rapaz, que vergonha hein?

 

- Narvil, 9,5 (nove e meio), acrescentou: - ótima avaliação rapaz, eu não lhe dei 10 (dez) porque é perfeição, não dou dez nem zero!

 

- Mateus, Fabrício, Manoel, Antônio Pedro...

 

     Fiquei de espreita que o professor terminasse de entregar todas as provas. Certamente, ele iria usar as 2 aulas do seu horário, pois, ele fazia comentário de cada prova. Nesse dia, Renato estava sentado distante de mim, pensava como iria reagir quando estivéssemos fora da sala, achei que ele iria agir com grosseria ou agressividade, aliás, ninguém reage bem ser reprovado numa avaliação escolar, porém, fui surpreendido.

 

     Já distante da escola, ele me alcançou:

 

- Narvil não se apoquente, eu não estou zangado pela nota baixa que tirei. Claro, ninguém gosta de ser reprovado na IV unidade já no fim do curso “científico”, mas, o professor me deu e aos demais uma nova chance na próxima semana...

 

- Renato desculpe-me, depois que me vinguei do seu preconceito, não fiquei aliviado, sim, com a consciência pesada. Tu mexeste com a minha autoestima junto de Conceição, hein?

 

- Fiz uma brincadeira. Aqui, muitos me chamam de “Macarrão 18”, nunca levei a sério, senão, havia brigado com alguns que são desrespeitosos, não brincalhões, - fez uma pausa e continuou:

 

- Eu lhe admiro pelo foco, determinação e seriedade, nunca lhe vi sorrir, sempre só, com exceção de Maria da Conceição, porém amigo, a vida é muito mais, tristeza não paga dívida, a vida é curta e do mundo nada se leva...

 

     Não fiz contraditório, suas palavras mexeram comigo, a minha conduta foi abjeta, só fiz lhe dizer:

 

- Perdoe-me Renato, a minha conduta foi execrável...

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 29/06/2022


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr