Textos


O escritor - R. Santana

     Quando eu o conheci, ele deveria ter uns 40 anos de idade, cor parda, cabelos pretos, barba escura aparada, altura mediana e roupa bem cuidada. Freguês contumaz do “Bar de Pedro”, todos os dias, ele aparecia à mesma hora pra tomar o café da manhã. Eu já sabia seu “Cardápio”: 2 pães com manteiga recheados com fatias de requeijão e 2 médias de café com leite. Emanuel passaria por uma pessoa normal se não sofresse de algum distúrbio mental. Hoje, o sujeito chulo o chamaria de doido pela fixação que ele tinha pela escrita, mas não lia nem escrevia.

     Ele era de pouca conversa, taciturno, limitava-se responder “sim” ou “não” aos que lhe perguntavam alguma coisa, jamais iniciava um papo com quem quer que fosse, não mexia nem remexia a vida de ninguém, para Emanuel, o mundo lá fora não cheirava nem fedia, seu mundo era a escrita e quando alguém com galhofa lhe perguntava a profissão, ele orgulhosamente respondia: “eu sou escritor”.

     Ele enchia cadernos e mais cadernos com “letras” de forma espiral em horizontal ou linhas retas onduladas, se alguém lhe pedisse para ler aquelas garatujas, ele as lia com desenvoltura e delas saiam lindas histórias. Porém, para pessoas “normais”, aqueles garranchos não tinham significado, coisa de doido, para Emanuel, aqueles garranchos representavam as histórias de vida e a sublimação de sua arte de escrever.

     Eu tinha, naquela época, 12 ou 13 anos de idade, acho que era o único que o compreendia em sua loucura, pois na alma, ele era um escritor, sentia a riqueza de sua sensibilidade quando me contava as histórias de “As mil e uma noites” de Sherazade (deve ter assistido o filme), sem esquecer os detalhes da trama ou outras histórias. Suas histórias me deixavam boquiaberto, ele me transportava para dentro do enredo, também, era o único momento que Emanuel se abria, acho que ele sentia como se fosse meu pai, então, o ápice de sua lucidez.

     Naquela época ninguém teve a curiosidade de encontrar naqueles cadernos cheios de “escritas”, sentimentos de traição, de lealdade, de coragem, de medo, de esperança, de ambição, de angústia, de generosidade, de fé, de ansiedade, de prazer, de saudade, de solidão, principalmente, de amor, todos queriam, somente, chamá-lo de doido pela sua excentricidade.

O tempo, o malvado tempo fez que nos separássemos, ele para o ocaso da vida, eu, para o seu começo. Nunca mais nos vimos nem de longe, nem de perto, contudo, nunca o esqueci, em especial, pela verbalização emocionante de suas histórias. Se Emanuel tivesse frequentado alguma escola, certamente, ele teria sido um grande escritor independente de sua psicopatia porque não haveria autocensura em sua imaginação e criatividade.

     Usando Emanuel como gancho é necessário esclarecer que o escritor ficcionista é compulsivo, uma força o empurra para produzir prosa ou verso, porém, nem todo mundo que escreve é escritor romancista, contista, poeta, mas, profissional de saber que precisa registrar seus princípios teóricos ou jornalistas, a diferença é que o ficcionista é um escritor criativo, um inventor de mundos, explora o imaginário, a abstração, a emoção, enquanto os demais escritores trabalham com fatos sociais ou científicos.

Quando conheci Emanuel, despertou em mim o desejo de escrever romance, conto, poema e outros gêneros. Naquela época, já lia como autodidata, os escritores: Machado de Assis, Morris West, Hemingway, Jorge Amado, Gustavo Flaubert, Fiodor Dostoievski, George Orwell, etc. Não lia esses escritores, ávido de conhecimento, mas os lia por prazer e fascinado com o uso da palavra e a criatividade deles. Daí, eu comecei escrevinhar desde 1973, porém, só com o advento da INTERNET, eu pude mostrar as minhas produções literárias. Embora tenha publicado 22 livros virtuais e 2 livros físicos e algumas participações em antologias nacionais, eu sou um desastre como escritor, não sou reconhecido no bar da esquina de minha rua, não possuo seguidores e, quase nenhum leitor.

     Emanuel era louco, aqui, não é o “Elogio da Loucura” de Erasmo de Rotterdam, sátira em defesa da loucura, porém, o escritor e o poeta vivem num mundo imaginário de sonhos, de criatividade, de arte, às vezes, eles se chocam com sua própria realidade e cometem loucuras, a exemplo de Virgínia Wolf, Ernest Hemingway Sidney Sheldon, Hans C. Anderson e Agatha Christie que, sofriam de esquizofrenia, transtorno bipolar e outros estados patológicos que lhes levaram à depressão profunda e ao suicídio.

     Escrever para Emanuel era seu deleite da alma e seu momento de felicidade. Todavia, quando eu escrevo, escrevo para nenhuma coisa e nenhuma pessoa, escrevo para nada, a loucura de ser escritor.

 

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

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Resumo biográfico:

Licenciado em Filosofia/Matemática, pós-graduado em PSICOPEDAGOGIA, professor aposentado, arremedo de escritor, membro fundador da Academia de Letras de Itabuna – ALITA, ex-diretor do Colégio Estadual de Itabuna, ex-vereador de Itabuna, 22 livros publicados no amazon.com, Recanto das Letras, Domínio Público, etc. Cidadão Itabunense pela Câmara de Vereadores de Itabuna, administrador do blog Saber-Literário e agraciado em 2019 com o título: "Mérito Educacional FTC", pela Faculdade de Tecnologia e Ciências - FTC.

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 22/03/2022
Alterado em 29/09/2023


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr