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Academia Brasileira de Lero-lero (ABL) - R. Santana

 

Meu amigo já pensou se o “Bruxo do Come Velho” ressuscitasse? Ele não encontraria mais a instituição que ajudou fundar, mas uma casa de lero-lero, do chá da terça-feira e reunião da quinta-feira. Não mais uma instituição preocupada com a cultura, a língua portuguesa erudita e popular, não mais o incentivo às letras, nem estímulo aos novos escritores nem a compreensão às novas escolas literárias, mas uma casa de ócio e privilégios.

Quando Machado de Assis fundou à Academia Brasileira de Letras – ABL, no final do Século XIX, foram escolhidos os melhores das letras: Visconde de Taunay, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Inglês de Sousa, Afonso Celso, Ruy Barbosa, dentre outros. Não existia naquela época, influência política, posição econômico-financeira, prestígio social, posição artística, porém, a produção do escritor ou do poeta. Pertencer à Academia Brasileira de Letras (ABL), depois de 20 de julho 1897 (fundação), seria a consagração, a glória máxima do poeta ou escritor.

Em 1979, Jorge Amado em “Farda, Fardão, Camisola de Dormir”, ele traz à luz dos mortais, as brigas políticas e ideológicas que se desenrolam dentro da Academia Brasileira de Letras – ABL. Com a morte do Antônio Bruno, boêmio querido da comunidade intelectual do Rio de Janeiro, abre-se uma vaga na ABL, esta vaga estava reservada, naquela época, ao Exército, aí, surge um candidato, o coronel Agnaldo Sampaio Pereira. O coronel Sampaio Pereira, representava a ala ideológica nazifascista, admiradores das ditaduras de Hitler e Mussolini. Afrânio Portela e Evandro Nunes sublevaram a campanha de Sampaio Pereira e buscaram no general reformado Waldomiro Moreira adversário de Sampaio Pereira, à vaga aberta por Antônio Bruno. Foram meses de “guerra”, de falcatruas, de golpes baixos e maquiavelismo entre os partidários de Sampaio Pereira e Waldomiro Pereira, testemunhou e escreveu Jorge Amado.

Faz algum tempo que ABL se distanciou da academia do “Bruxo do Come Velho”. Hoje, para ser “imortal”, independe da qualificação do candidato de escritor, romancista, ficcionista, dramaturgo, ensaísta literário, poeta, mas, sua condição sociopolítica, se o candidato tem o reconhecimento público e, se contribuirá na divulgação da instituição, inclusive, torná-la mais popular, mais política e menos guardiã das letras e do idioma português.

O Estatuto da ABL é democrático: ser “imortal” é necessário que seja brasileiro nato, publicado obra literária ou obra de reconhecido mérito de qualquer gênero. Claro que não é tão fácil assim, além desses critérios, o candidato tem que está em consonância com o sistema de comunicação, socioeconômico e político, foi assim com o cronista político da Globo, Merval Pereira, em 2 de junho de 2011. Merval é um jornalista de mancheia, sua bibliografia está embasada na crônica política: “ O lulismo no poder”, “Mensalão: O dia mais importante...” Merval, segundo notas biográficas, escreveu somente um conto de 21 histórias de amor e o sistema o empurrou de goela abaixo na ABL em detrimento de muitos candidatos mais qualificados.

Merval não foi o único agraciado pela ABL por força da circunstância política e socioeconômica, os expertos incluem, dentre outros, Getúlio Vargas e José Sarney, enquanto, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Graciliano Ramos e Paulo Leminsky não foram contemplados pela academia.

Atualmente, os novos imortais Gilberto Gil e Fernanda Montenegro são expoentes na música e na dramaturgia, porém, não seriam candidatos naturais na academia que Machado da Assis ajudou fundar nem a academia francesa de Richelieu. Gilberto Gil e Fernanda Montenegro já devem pertencer à Academia de Música e à Academia de Cinema, eles pertencerem à ABL é uma homenagem a mais, não um prêmio que eles fizeram jus.

Este texto tem por objetivo sugerir aos "imortais", que ABL seja mais de utilidade pública que política, que a academia brasileira ao invés de contemplar pessoas que não se encaixam cem por cento nos objetivos que ela foi criada, contemplasse grandes escritores e poetas esquecidos no interior, os regionalistas, deste imenso Brasil, assim, cumpriria sua missão histórica de casa da cultura, das letras e do idioma português.

No interior do país existe uma quantidade significativa de excelentes escritores, poetas, ensaístas, trovadores, cordelista, que não publicam seus trabalhos por falta de incentivo, de condições socioeconômicas, e, permanecem na obscuridade por anos, se houvesse incentivo de instituições públicas para divulgação dessas obras, certamente, a nossa cultura ficaria mais rica. E, se faria justiça aos verdadeiros escritores e poetas.

A Academia Brasileira de Letras – ABL é o símbolo máximo de nossa cultura literária, como símbolo está acima do bem e do mal, ou seja, livre de encargos, obrigações e críticas, contudo, como entidade administrativa, ela está sujeita às normas e às leis da sociedade e do estado. Suas atividades cotidianas e suas funções são objetos de análise e crítica.

Hoje, ABL é uma entidade de poucas produções literárias, seu teatro e auditório estão praticamente desativados, é uma casa de ócio, todavia, paga bem aos seus “imortais”, entre cachês e “salário” de R$ 3000,00 (três mil reais), reunião de R$ 1000,00 (um mil reais), e chá de R$ 800,00 (oitocentos reais), segundo UOL, cada membro ganha R$ 10.200,00 (dez mil e duzentos reais) /mês, se o imortal participa de debates, palestras, chás e reuniões semanais. É a única entidade cultural que paga para que o "imortal" tome chá às terças-feiras e jogue conversa fora.

O miserável do lixo faz seu sustento. O privilegiado faz das benesses da vida seu ócio.

 

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons

 

 

 

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 20/11/2021


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr