Textos


Dom Casmurro
R. Santana

 
Esta semana, mexendo e remexendo os meus livros na estante, encontrei o livro “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, que nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 e faleceu na mesma cidade em 29 de setembro de 1908. Ele nunca esteve no exterior nem a passeio, viveu e morreu no seu país. Acho que Machado de Assis foi, ainda é, o maior escritor brasileiro, quiçá do mundo! Porém, dos seus livros: Ressurreição, A mão e a luva, Helena, Iaiá Garcia, Esaú e Jacó, Memorial de Aires e outros, eu gosto demais de Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro. Memórias Póstumas de Brás Cubas, pela originalidade, é o primeiro romance brasileiro que o autor conta suas memórias depois de morto. Jorge Amado, muito anos depois, produziu o romance “A morte e a morte de Quincas Berro D´água”, que é a morte dupla de Quincas Berro D`água. Ele não conta sua história depois de morto, seus colegas de mar que o coloca de pé (depois de morto), na proa da embarcação e simulam que ele está vivo e fazem várias peripécias, depois jogam o corpo no mar. Dom Casmurro é a história duma traição de amor e a materialização da fé. Dom Casmurro é o apelido de Bento de Albuquerque Santiago, Bentinho. Bentinho, depois de velho, conta sua história a partir de uma viagem no trem da Central. Durante a viagem, ele conhece um poeta de obra desconhecida que lhe pede para fazer uma avaliação dos seus poemas. Não se sabe se os poemas eram bons ou maus. Bentinho, absorto, triste, sorumbático, quase que não lhe deu atenção e o poeta o difamou de casmurro, Dom Casmurro. Depois de algumas percas, Dona Glória não chegava dar à luz, então, ela prometeu a Deus, Bentinho ainda na barriga, se ele “vingasse”, fazê-lo padre. E, quando o rapazola completasse 17 anos, ela lhe mandaria para o seminário sob as bênçãos do protonotário Cabral, o padre Cabral, assim, cumpriria a promessa. Na casa de Bentinho todos eram viúvos, Dona Glória, sua mãe, seu tio Cosme, advogado, e a prima Justina. José Dias, o agregado da família era a exceção, era um celibatário, não era dado a casamento. José Dias apresentou-se ao pai de Bentinho como médico homeopata, curou muita gente na fazenda, ganhou a confiança da família, com a morte do Sr. Albuquerque Santiago, herdou uma apólice, mas, o pedido de Dona Glória pra que ficasse, foi mais significativo que a apólice. José Dias era um homem ilustrado, useiro e vezeiro dos superlativos, não pronunciava 2 frases que não recorresse aos superlativos. Sua cisma era com o vizinho de Dona Glória, o Pádua, que se gabava sempre de ter sido administrador interino duma repartição do Ministério da Guerra. José Dias o alcunhou de Tartaruga, porque era baixo, grosso, braços e pernas curtas. Pádua, Dona Fortunata e Capitu formavam a “ gente do Pádua” no dizer de José Dias. Capitu, “olhos de ressaca”, “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. O coração de Bentinho ardia de paixão e amor por Capitu, enquanto, ele crescia em sabedoria e conhecimento; ela crescia em dissimulação, fingimento e reflexão, tinha uma presença de espírito de fazer inveja. Várias vezes flagrada de namoro com Bentinho, dissimulava para os pais brincadeira em fração de segundo. Quando soube da intenção de Dona Glória, fazer dele um padre, articulou para que José Dias a dissuadisse. Vários projetos são pensados por Capitu e Bentinho, respaldado por José Dias para demover a promessa de Dona Glória fazer do seu filho padre: que ele fosse estudar em Portugal, Suíça, estudar Leis em Recife ou São Paulo. Bentinho pensou até falar com o imperador: “... Sua majestade pedindo, mamãe cede”, conjecturas... Nem o seu tio Cosme, habilidoso nas palavras e no convencimento, que tinha certa ascendência sobre a irmã, foi incapaz de dissuadir-lhe, promessa feita, promessa cumprida. Na casa do sem jeito, Bentinho foi para o seminário São José. Não se adaptou, se acomodou, não tinha vocação para sacerdote, ademais, Capitu lá fora, não deixava sua consciência em paz, foi nesse inferno existencial que conheceu Escobar e ficaram amigos em todo o tempo. Bentinho no final de semana ia em casa, voltava com o coração despedaçado por ter que se separar de Capitu. O seminário lhe era um suplício, inventaram uma doença, Dona Glória se apavorou com a debilidade do filho, a consciência lhe culpava, Bentinho estava desmilinguido... Num acordo com o Protonotário Apostólico Cabral e os superiores do seminário, chegaram a um consenso que o rapazola não tinha vocação para o sacerdócio que poderia servir a Deus sem ser padre, mas para que a promessa fosse cumprida pelo menos em parte, então, arranjaram um substituto e Dona Glória lhe provesse os estudos. Longe do seminário, mais perto de Capitu, foi estudar Direito em São Paulo e volta em 1864 para o Rio de Janeiro, bacharel em Direito. Logo, instala escritório no centro da cidade e casa com Capitu com pompa e ostentação. Escobar largou os estudos e seguiu sua vocação comercial e casou-se com Sancha, unha e carne, a corda e a caçamba de Capitu. Ambos os casais foram morar não muito distante um do outro. Escobar grande negociante, Bentinho, grande advogado do Rio de Janeiro daquela época. Sancha engravidou logo após o casamento. Depois da gravidez, Sancha e Escobar deram à filha o mesmo prenome de "Capitolina", para os íntimos e para madrinha que lhe emprestou o nome, Capituzinha. Quando ninguém mais esperava, Capitu deu a Bentinho um filho que no registro civil e na pia de bastimo, recebeu o nome de Ezequiel A. de Santiago. Bentinho, Capitu, Dona Glória, José Dias, tio Cosme, prima Josefina, todos não eram felizes, estavam felizes... A felicidade absoluta não existe, porém, momentos de felicidade. Quando tudo parecia feliz entre às famílias: filhos nascidos, famílias estimadas, sucesso empresarial, advogado de sucesso, numa manhã nebulosa, mar indomável, mar revolto, morre afogado, o melhor amigo de Bentinho, Escobar. À medida que crescia Ezequiel, ele lembrava o finado Escobar, nos gestos, no jeito de andar, nas imitações, nos gostos, dúvida sobre dúvidas apavoravam o espírito de Bentinho, o pestinha era o debuxo que faltava colorir, até Dona Glória e prima Justina, dissimuladamente, questionavam a semelhança, o fosso entre o casal foi se alargando. Bentinho recordou encontros casuais que flagrou de Capitu e Escobar, que creditava à amizade de família. Capitu nunca perdia a serenidade enquanto Escobar mal disfarçava sua perturbação. Por um triz do destino Bentinho não se suicida e por acidente o menino quando sobre a escrivaninha da biblioteca, encontrava-se um café envenenado. Capitu jurava inocência, que a semelhança de Ezequiel e Escobar não passava de capricho do destino que queria incriminá-la, Bentinho queria acreditar, mas o destino teria caprichado demais no debuxo e nas tintas. Quando a situação ficou insuportável, mãe e filho foram levados para Suíça. Correspondiam-se, agora, por cartas, ela, cada vez mais apaixonada, ele, cada vez mais, distante e seco, aos amigos e amigas, ele dizia que Capitu estava bem e feliz, não pensava em voltar, havia se acostumado às condições climáticas do continente europeu, que Ezequiel adaptou-se bem e já dominava a língua estrangeira. Para atender à curiosidade social, viajava para Suíça todos os anos e simulava vê-los, todavia, não os procurava. Já não escondia sua tristeza, casmurro, que lhe pegou o apelido do poeta anônimo: “Dom Casmurro”. “Dom Casmurro” ficou para os amigos e não amigos. Por outro lado, na Suíça, Capitu vergava-se, dia a dia, em amarguras e remorsos. O filho já adulto, ela morreu longe de tudo e de todos, longe de sua terra, de seus amigos e, desprezada do homem que mostrou amar desde a adolescência. Um dia, quando Bentinho já achava tudo distante e preparava-se para vestir-se, recebeu um cartão: “Ezequiel A. de Santiago” Ele perguntou ao criado se a pessoa estava ali, ciente, pediu ao criado que o fizesse aguardá-lo. Demorou alguns minutos para refazer o equilíbrio de suas emoções, não se comportou como um pai extremado, afetuoso, porém, contido, convencional, principalmente, quando o encontrou: “... Ei-lo aqui, diante de mim, com igual riso e maior respeito; total, o mesmo obséquio e a mesma graça. Ansiava por ver-me. A mãe falava muito de mim, louvando-me extraordinariamente, como o homem mais puro do mundo, o mais digno de ser querido”. “... era nem mais nem menos o meu antigo e jovem companheiro do seminário São José, um pouco mais baixo, menos cheio de corpo e, salvo as cores, que eram vivas, o mesmo rosto do meu amigo... Era o próprio, o exato, o verdadeiro Escobar. Era o meu comborço, era o filho do seu pai”. Não demorou muito, retornou para encontrar 2 colegas numa expedição `científica, arqueológica, à Grécia, Egito e à Palestina. Onze meses depois, morreu Ezequiel de febre tifoide e sepultado nas imediações de Jerusalém. Seus colegas lhe prestaram a última homenagem com a inscrição em seu túmulo: “Tu eras perfeito nos teus caminhos, desde o dia de tua criação” Bentinho não desejou sua morte, no entanto, não esconde o alívio de romper com o último elo que o ligava ao passado. Em algum momento da vida, desejou que Ezequiel fosse seu filho verdadeiro, aliás, ele foi vítima da leviandade e infidelidade de Escobar e Capitu, seus verdadeiros pais, tanto quanto ele, finaliza: “... a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve”. Em “Dom Casmurro” o autor expõe as sutilezas da mente. A capacidade de alguém dissimular e reinventar um acontecimento. Era da natureza de Capitu essa habilidade de enganar. Não era uma Messalina, mas, respondia com frieza de ânimo às situações mais adversas. Há no texto um exemplo significativo: eles estavam no quintal em namoro quando surge de repente, Pádua, seu pai, ela se transformou em segundos e lhe diz que eles estavam jogando SISO quando o pai lhe questiona: - Por que ele não sorri? – ela lhe justifica que Bentinho era tímido, tinha vergonha, forçou que seu coleguinha risse, em vão, ele estava apavorado!... Alguns críticos sustentam que Machado de Assis foi duro com a principal protagonista de sua história. Apresentou aos seus leitores uma Capitu infiel, dissimulada, arteira, fingida e um Bentinho virtuoso, de fé no outro, o que é verdade, a própria Capitu definiu para seu filho o perfil desse homem: “... como o homem mais puro do mundo, o mais digno de ser querido”. Alguns críticos acusam Bentinho de ciumento, possessivo, que fazia da fraqueza força para ser o centro da atenção dos que lhe amavam. Filho único e mimado, sempre esteve sob os cuidados de parentes e aderentes, além de ter nascido em “berço de ouro”, diferente de sua companheira de sorte, que desde cedo teve que lutar com as dificuldades existenciais, por isto, teve que se utilizar de alguns mecanismos de defesa para sobreviver, não o amava, o admirava, não gostava de homem fraco e Escobar não era um fraco. Uniu-se a Bentinho por compaixão e não perder o bonde do oportunidade. Enfim, houve traição, são fortes as evidências. Porém, o mal de Capitu foi não assumir o seu romance, se tivesse assumido, seria contada uma grande história de renúncia, coragem e amor.



Autoria: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 09/10/2020
Alterado em 09/10/2020


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr