Textos


Zé Pequeno R. Santana

Zé Pequeno
R. Santana


- Teja prezo!
- Num Tejo - acrescentou:
- Dunde vem filhoti de anum?
- Sô artoridade da poliça!
- Disde qoando nigro é artoridade?!
- Cê num tá mi respêtando seo Virbo!
- Um neguin di seo tamanho, dô de xicote...

Verbo tinha flagrado sua mulher com outro na cama no “sapeca iaiá”, matou a mulher a tiro de espingarda de caça de veado campeiro e, decepou o pescoço do indivíduo com afiado biscol de podar os cacaueiros e cabrocar as capoeiras. O crime foi brutal, comoveu os habitantes do “Fuminho” e os habitantes da cidade itabunense, não porque ambos não merecessem morrer (era o costume da época, pagar com a morte, a infidelidade conjugal), mas pela forma como eles foram executados: nus e indefesos.
As más línguas juravam de pés juntos e mãos em oração que Verbo era galhudo fazia muito tempo por um rapaz que poderia ser filho seu ou de Clô, porque o sedutor tinha pouco mais de 18 anos de idade. A vizinhança cochichava sobre a sem-vergonhice de sua mulher, mas ninguém tinha coragem de dizer nada ao marido, primeiro, pela imprevisibilidade de sua reação; segundo, pela fama de valentão que Verbo tinha em toda zona do cacau. Soube-se depois que ele tinha recebido uma carta anônima e simulou, naquele dia fatídico, uma pescaria, voltou do caminho e os flagrou na descaração!...
O “Fuminho” não era um vilarejo, tampouco um bairro, mas um pequeno aglomerado de casebres dentro das roças de cacau sem ruas, mas de caminhos abertos pela enxada e definidos pelos pés dos moradores. Conta-se que o apelido do lugarejo surgiu com o roubo de umas bolas de fumo do outro lado do rio Cachoeira, na cidade itabunense e, os ladrões perseguidos pela polícia atravessaram o rio e se esconderam do lado de cá, no lugarejo, apelidado depois de “Fuminho”, hoje, São Caetano.
Verbo era um cariboca com quase 2 m de altura, de forte compleição física, temperamento irascível, com pouco mais 40 anos de idade. Clô tinha a mesma faixa etária, morena sensual, longilínea, lábios grossos, mãos compridas e pernas torneadas e porte de rainha, um desperdício de mulher dentro das roças de cacau. Eles eram casados há 20 anos e ambos frustrados por falta de filho. Este, talvez, foi o motivo do adultério de Clô.

Naquele início de semana, o delegado de calça curta, Célio Marques, chamou seu inspetor ajuramentado para uma conversa a sós:
- Compadre Zé, eu tenho uma missão pra você!
- Sô toudo ovido cumpadre...
- Você Sabe que nesta delegacia, eu tenho dois meganhas, mas nenhum com sua inteligência e coragem... – passou “sabão” e continuou:
- Quero que vá buscar o homem que matou a mulher e o amante lá no “Fuminho”!
- O tá do Virbo?
- Sim!
- Suzinho cumpadre?
- Frouxaste, homem!? – não esperou a resposta:
- Chame o soldado Barbosa!
- Vô pricisar de 2 cavalus!
- Vá pela ponte dos velhacos na Abissínia, logo depois, na estrada de Macuco encontrará a Fazenda Santa Fé de compadre Tertuliano, peça-lhe emprestado em meu nome...

Zé Pequeno e Barbosa chegaram ao “Fuminho” pouco antes das 18 horas, naquele ermo de mata fechada estava tudo escuro. Barbosa e Zé Pequeno pernoitaram na casa de um conhecido. Na alvorada do dia, eles foram atrás de Verbo com auxílio de um guia que tremia como vara verde e, distante uns 30 m da casa do assassino, ele lhes deixou à própria sorte e “pernas que te quero” de volta pra casa.
Zé Pequeno, filho de Xangô e Iansã, protegido por todos os orixás, desconfiado e escorregadio, não tocaiou Verbo pela frente de sua casa, o esperou no caminho do córrego que era costume ele se banhar ao Sol nascer, de acordo o guia que lhes levou, o córrego não ficava muito longe da casa do valentão.
Não demorou muito, um pouco mais de um quarto de hora, apareceu Verbo no caminho com uma saboneteira na mão e uma toalha no ombro, quando foi confrontado por Zé Pequeno e o Soldado Barbosa:

(...) - Um neguin di seo tamanho, dô de xicote!
- Espremente!
Verbo deixou cair a toalha e a saboneteira e enviou-lhe uma tapona, mas o inspetor juramentado desviou o rosto e o tapa pegou de cheio no soldado Barbosa que caiu rolando pelo chão, ao mesmo tempo, Zé Pequeno deu três mariscombonas pra trás e três pra frente e num chute atingiu a caixa de peitos de Verbo que se desmoronou, mas ligeiro como um gato, levantou-se e partiu pra cima do adversário de cabeça (Zé Pequeno esquivou-se da cabeçada em um giro de 360º), em vão, bateu as fuças no chão, rolou, levantou-se e encontrou o soldado Barbosa de frente, empunhando um revólver, que lhe deu ordem de prisão:
- Teja prezo!!!
- Num tejo! – com a velocidade e um raio, deu uma cambalhota no ar e golpeou o adversário com os calcanhares, jogando longe o revólver.
- Dexe cumigo sordado!!!
Zé Pequeno deu uma rasteira em Verbo, já cansado, ele caiu como uma jaca, estatelado, o negro não lhe deu chance, num voo de morcego, deu-lhe uma tesoura, imobilizando-o por definitivo e gritou:
- Sordado traiz uma curda!!!
Às 10 horas daquele dia, para assombro e vivas dos moradores, passava pela “rua” principal do lugarejo, preso, amarrado e escanchado no cavalo, o tal Verbo, criminoso desalmado de sua mulher e de seu amante.
Ali, naquele confim de mundo, começou a Lei Maria da Penha!...





Autoria: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons
Itabuna, 10.08.2017
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 10/08/2017
Alterado em 15/08/2017


Comentários


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr