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                                         Morreu Maria Preá - R. Santana

          Diz o adágio popular: “quem conta um conto aumenta um ponto”. O conto que iremos contar já foi cantado em verso pelo poeta Itanildo Medeiros, mas resolvemos por conta e risco transformá-lo em prosa e aumentar esse conto em vários pontos.
          Em tempos idos, lá onde Judas perdeu as botas, três autoridades mandavam na cidade: o prefeito, o juiz e o padre, quando não havia o agente da lei, o prefeito cuidava das obras da cidade e o padre cuidava do lado espiritual e moral do homem, portanto, tudo que o padre dizia ou publicava no pórtico da igreja virava lei, ou seja, “pater dixit et dix”. Sua autoridade era providencial, todos beijavam sua mão, inclusive, o prefeito e a mulher do prefeito, sua autoridade só seria embaçada se um dia o bispo ou o papa pisasse naquele confim de mundo, coisa impossível e impensável.
          Lá no sertão nordestino, nasceu, cresceu e morava Maria Preá. Beata, não perdia uma missa, uma procissão, uma novena, envolvida de corpo e alma nos trabalhos da igreja, sua abnegação era tanta, que tinha a cópia da chave da sacristia e, zelava pelos valores do dízimo. Tudo passava por Maria Preá, antes do padre. Alguém poderá presumir que fosse uma velha coroca, voz rouca, penugem no lábio superior, enrugada, pelancuda e cabelo encanecido, ledo engano, era a mulher mais bonita daquelas paragens: jovem, alta (mas, não varapau), morena cor de canela, olhos verdes, cabelos lisos encaracolados, lábios grossos e bem desenhados, corpo escultural, digna de capa da revista “Playboy”. Os homens ricos e os nãos ricos da cidade babavam-se por Maria Preá, mas havia um padre no meio do caminho parecido com o padre Fábio de Melo, e, ela entregou-lhe o corpo e a alma, mais o corpo do que a alma.
          Tudo ia bem no reino de Matusalém se o sacristão não flagrasse o casal na cama num vaivém maluco, ora um embaixo, ora o outro em cima, e gritasse: “Padre!!!”, “Maria Preá!!!”, aí, foi um vexame...
          Daquele dia em diante, o insignificante homem que arrumava e guardava as coisas na sacrista e ajudava o sacerdote na missa, na eucaristia, transformou a vida do padre num inferno: extorquia-lhe no dízimo, limitou as atividades da xodó do padre na igreja, antes um figura apagada, passou mostrar influência na paróquia, perpetrava os mais diferentes ardis para ter o padre sob controle com ameaça de denúncia e escândalo. Alguns achavam que o padre tinha reconhecido o apego do sacristão ao trabalho religioso estafante, outros, os adeptos de São Tomé, cismavam: “embaixo desse angu tem caroço”, e, eles estavam certos, o malandro do sacristão escondia as cartas de trinca no punho da camisa e as lançaria na mesa se o padre se rebelasse à sua chantagem.
          Porém, quando Deus tarda vem no meio do caminho: do padre tanto suplicar-Lhe, de tanto colocar os joelhos no chão de milho, pedindo-Lhe socorro, a desforra veio dois meses depois: o padre foi convidado para realizar um novenário numa cidade distante de sua paróquia, não muito longe, teve que voltar porque esqueceu um documento e, quando empurrou a porta da sacristia, lá estava o sacristão debruço, nu de cintura pra baixo, embaixo de um negão que lhe empurrava uma gueba enorme no traseiro que de tanto gozo, ele não percebeu sua chegada:
          - O que é isso, sacristão!? – acrescentou:
          - Tu fazes da casa do meu Pai, Sodoma e Gomorra? – depois, lembrou:
          - Fica o visto pelo não visto, portanto, de agora em diante... – fez uma pausa e gritou:
          - Morreu Maria Preá! Morreu Maria Preá! Morreu Maria Preá!
          Daí em diante, tudo como dantes na cidade de Abrantes!...


Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 21/04/2017
Alterado em 05/12/2022


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr