Textos


Nova carta para Helen K. Friedman - R. Santana

Nova carta para Helen K. Friedman
R. Santana
 
Querida Helen:

Hoje, 7 de Setembro, do ano cristão de 2016, às 22 : 00 h, foi que abrir sua carta e a li, enviada uma semana antes. Não tome isto, falta de consideração, é que grudado na TV, assisti de cabo a rabo, o grande circo montado na Câmara Federal e no Senado para o impeachment de Dilma Vana Rousseff. O último índio da tribo dos pataxós do Sul da Bahia e o núncio apostólico no Brasil, Dom Giovanni d'Aniello, a priori, já sabiam o resultado. Mas dava um prazer freudiano, ouvir e ver, os vetustos deputados e senadores do estado brasileiro, fundamentarem o crime da senhora presidenta da nossa republiqueta: pedaladas fiscais (“despedaladas fiscais” para Belluzzo) e créditos suplementares.
Querida Helen, nunca simpatizei com o PT, mas a determinação e a coragem dessa mulher, a História lhe será justa, mesmo sabendo que seria destituída sem “crime de responsabilidade”, mas por ações administrativas necessárias de governo, de suas funções de presidente do país, enfrentou de peito erguido e queixo levantado, o cinismo de seus algozes. O golpe parlamentar que lhe foi dado efetivou-se por conta de natureza cordata do brasileiro, que não é radical, não possui pensamento xiita, aposta no “jeitinho brasileiro” e no amadurecimento democrático e, deixa que o processo eletivo das eleições vindouras, varra da vida pública esses escroques da política em todas as esferas do poder.
Porém, não quero falar de política, sou daqueles que “religião, política e mulher, não se escolhe, se abraça”, pois ninguém é perfeito, quando se escolhe, escolhe-se com qualidades e defeitos. Quero falar de literatura, que, grosso modo, tenho certa experiência, não sou um Federico Garcia Lorca, um Ernest Hemingway, um Jorge Amado, um Adonias Filho, um Harold Robbin, um Morris West, mas um apaixonado por quem possui a maestria do uso da palavra. Escrever com estilo, com clareza, com criatividade, com domínio da forma convencional e não convencional, é um privilégio de poucos, pois a palavra voa e a escrita permanece para sempre.
Querida Helen, sei que aí na terra do Tio Sam, não lhe passa despercebido nada que ocorre aqui nas “Terras do Sem-Fim”, do nosso Jorge Amado, porque a Internet revolucionou o mundo da comunicação, suspira-se no Ocidente e ouve-se o som no Oriente em tempo real. Porém, quero lhe dar uma notícia fresquinha: o nosso escritor vivo mais importante, Cyro de Mattos, foi escolhido, no dia 15 de Agosto deste ano, para ocupar a cadeira nº. 22, na Academia de letras da Bahia – ALB, sufragado por 27 dos 28 membros efetivos que compareceram à sessão da ALB.
Cyro de Mattos é um escritor laureado aqui e no exterior, em contos, novelas, romance, poesias, literatura infanto-juvenil... Ele tem uma caminhada de meio século na literatura do Sul da Bahia com 50 livros publicados e outros no prelo para serem publicados. Claro que sua ascensão às letras do estado da Bahia, não irá baixar o dólar, nem resolver os atuais problemas cruciais do país, todavia, é uma vitória das letras da nossa terra que já foi do cacau, pois antes dele, apenas, Jorge Amado, Itazil Benício e Hélio Pólvora tiveram esse privilégio.
Sei que vai conjecturar sobre o novo acadêmico da Academia de Letras da Bahia – ALB, sua curiosidade literária é invejável, por isto, no decorrer desta carta, quero lhe dar o máximo de informações possíveis sobre o escritor eleito no mês passado para integrar àquela casa do saber da cultura baiana. Claro que vou fixar-me mais em considerações literárias, mas sem prejuízo de opiniões pessoais.
Querida Helen, conheci pessoalmente Cyro de Mattos na FICC (ele era o presidente), no dia 19 de Abril de 2011, na fundação da Academia de Letras de Itabuna – ALITA. Antes, o conhecia de foto e manchetes de jornais e da leitura “en passant” de alguns poemas e crônicas seus publicados na imprensa local. De lá pra cá, li: “O velho campo da desportiva”, “O goleiro Leleta e outras fascinantes histórias do futebol”, “Vinte Poemas do Rio”, “O menino camelô”, “Histórias Dispersas de Adonias Filho”, “Palhaço bom de briga”, “Os brabos” e “Os ventos Gemedores”. Para o romance “Os ventos Gemedores”, eu dediquei uma crônica intitulada: “Terras do Japará” que se encontra no “Saber-Literário”, no “Recanto das Letras” e no site da “ALITA”.
Quando o conheci, Marcos Bandeira, um intelectual sem afetação, um homem generoso, fez um relato sucinto da atividade literária de Cyro de Mattos e concluiu brincando: “Para Cyro se imortalizar só precisa morrer...” Tomei esta frase como gancho e um mês depois, publiquei uma crônica nos principais sites de literatura do país, com o título sugestivo: “Conheci um imortal”, onde deslumbro minha admiração pelo escritor e poeta Cyro de Mattos.
Querida amiga da terra do Tio Sam, hoje, nenhum escritor baiano, pelo conjunto da obra e pela versatilidade, é mais merecedor ocupar a cadeira 22 da ABL e receber o título “Doutor Honoris Causa” da UESC do que o itabunense Cyro de Mattos. Sua obra literária é rica e extensa em vários segmentos da literatura: contos, crônicas, poemas, romance, novelas, ensaios e infanto-juvenil. Talvez, não seja uma literatura revolucionária e de escola, a exemplo de Machado de Assis, Dante Alighieri, Mário de Andrade, Fernando Pessoa, Kalil Gibran, Olavo Bilac, Goethe, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Monteiro Lobato, mas é uma boa literatura e, ficará eterna para posteridade.
Porém, Helen, ninguém é perfeito, já dizia a filósofa minha avó, que “perfeito só no ceu”, o nosso escritor não goza de popularidade sequer dos seus conterrâneos, não é lido nem reconhecido fora de Itabuna, diferente de Jorge Amado e Adonias Filho, que são lidos e reconhecidos aqui e lá fora, os expertos atribuem aos traços não sociáveis de sua personalidade, dizem as más línguas que ele é manipulador, egocêntrico, não generoso com os novos escritores e, escreve sobre a mesmice, sem gênio criativo, uma literatura linear, sem sobressaltos e explora assuntos esgotados. Acredito que essas homenagens irão mudar a opinião de seus patrícios.
Enfim, minha querida Helen, perdoe-me não possuir o dom da síntese e puxar e repuxar o assunto além da conta, gosto da digressão, o pensamento lógico é pra ciência e não pra literatura, o ceu é o limite na criatividade, o ficcionista não tem compromisso com a verdade do outro, mas com sua verdade. Na próxima carta, prometo-lhe primar pelo resumo, escrever o necessário será regra, porém, não me peça tanta informação, não seja tão abelhuda. Fraternalmente, Narvil. Itabuna, 07 de Setembro de 2016.


 

Autor: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons
 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 08/09/2016
Alterado em 08/09/2016


Comentários


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr