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Carta para Helen K. Friedman - R. Santana

Carta para Helen K. Friedman
R. Santana

Querida Amiga Helen:

Depois que tomei duas doses cavalares de caipirinha (pobre tem alergia a whisky), li e reli sua amável carta. Quando a recebi pelos Correios, no meio de um calhamaço de faturas de cartão de crédito, contas de telefone, internet, lojas de roupa, lojas de calçados, prestação de carro, eu estranhei que não tivesse usado o Whatsapp, o e-mail, o "MSN Messenger", então o Skype, mas usou o tradicional meio de comunicação: a carta. Pensei que os jovens tivessem extinguidos velhos meios de comunicação, o seu gesto diz que não.
Não existe situação mais desagradável, minha cara Helen, do que em uma sala que se espera alguém ou alguma coisa, as pessoas debruçadas em seus celulares, enviando ou recebendo mensagens, é um silêncio fúnebre, é um silêncio que incomoda, comunicação às avessas, a pessoa está ali e não se encontra ali, é o fim das relações próximas, é o fim do toque e dos afetos, do olho no olho, é o fim do tête-à-tête, é o fim da conversa.
Gentileza gera gentileza, portanto, quero lhe agradecer pela amável cartinha que me enviou. Sua preocupação com a minha saúde, com as minhas produções literárias, com as produções literárias do Sul da Bahia, os comentários que fez sobre o momento político e econômico adverso do nosso país, mesmo morando distante, aí na terra o Tio Sam, são conjeturas atuais.
A minha saúde está sob controle, não me descuido do check-up médico anual, porém, as doenças não mandam recado, quando menos se espera, elas aparecem de forma abrupta, às vezes, agressivas. Lembro-me de um saudoso colega que levou seu irmão, às pressas para o hospital, lá ficou, morreu de um infarto fulminante, e seu irmão voltou para casa alguns dias depois. Eis o exemplo, minha estimada Helen, das surpresas que a vida nos reserva.
Política para mim, não cheira nem fede, eu sei que o homem é um animal político, aprendi com Aristóteles, mas reservo-me o direito de não tecer comentário, nem a favor da situação nem da oposição, os políticos são farinha do mesmo saco, eles não estão preocupados com o próximo, mas quem está próximo, notadamente, sua família e seus amigos. Enfim, minha cara Helen, eu concordo com o sempre lembrado Mário Covas, que disse: “Que bom seria se apenas um político pegasse febre aftosa, assim, todo rebanho teria que ser sacrificado”.
O Sul da Bahia é um celeiro de expressão cultural, temos aqui bons escritores, temos aqui bons poetas, temos aqui bons músicos, temos aqui bons letristas, temos aqui bons intérpretes, temos aqui bons artistas plásticos, temos aqui bons atores, ou seja, é uma terra abençoada pelo deus da criatividade. Dispensa-se falar dos que já se foram, pois todos têm seus nomes inscritos na memória do povo, portanto, faz-se necessário tecer alguns comentários no parágrafo a seguir, aos que estão vivos, e puxando brasa para minha sardinha, irei falar dos meus autores preferidos.
Daí de longe, talvez você não os conheça, mas gosto da prosa e da poesia de Florisvaldo Mattos, da prosa de Aleilton Fonseca, dos textos de Ruy do Carmo Póvoas, dos textos de autoestima de João Batista de Paula, da poesia de Ceres Marylise, de Lourival Piligra Pereira Júnior, de Wagner Albertsson, de Eglê Santos Machado, de Oscar Benício dos Santos, de Joselito dos Reis e de Genny Xavier. Estes são os poetas e escritores regionais que aprecio e tenho admiração.
Não tenho produzido tanto quanto gostaria de produzir, falta-me inspiração, criatividade, não prazer pelo trabalho, eu gosto de escrever, gosto de literatura, todavia, eu não descobri (talvez nunca descubra) ainda o veio da mina: um livro diferente. Observo como autodidata, que os escritores e poetas consagrados, foram consagrados não pela quantidade de sua escrita, mas pela qualidade, pela diferença, alguns poetas e escritores se consagraram, apenas, com um livro.
Machado de Assis escreveu poesias, crônicas, ensaios, contos, novelas, romances, porém, se popularizou com “Dom Casmurro”. Sidney Sheldon, escritor e roteirista norte-americano, escreveu muitos romances, muitos roteiros, o seriado “Casal 20”, no entanto, o “Outro Lado da Meia Noite” é o livro de cabeceira do seu leitor. O poeta, escritor e político italiano Dante Alighieri, deixou para sempre sua poesia épica: “Divina Comédia”. Menos dramático, mais sonhador, Miguel de Cervantes, hoje é conhecido pela bravura romanesca de Sancho Pança em “Dom Quixote”. Quem ainda não assistiu ao filme ou leu o livro “O Conde de Monte Cristo”? Acho que poucas pessoas deixaram de assistir esse filme ou não leram esse romance de Alexandre Dumas. Mário de Andrade, poeta, escritor, crítico literário, musicólogo, folclorista e ensaísta brasileiro, um dos pais do nosso Modernismo, ficou conhecido com seu romance Macunaíma. O nosso maior escritor de epopeia, Euclides da Cunha, ficou lembrado para sempre com “Os Sertões”. Quem não se comoveu com a história de Ernest Hemingway, “O velho e o mar”? Nenhum vivente que o tenha lido ou assistido o filme. Outro romance que virou filme: “Zorba, O Grego” de Níkos Kazantzákis, ficou pra história da literatura universal. Não se pode esquecer do britânico George Orwell, e seu livro revolucionário e profético: “Grande Irmão”, o “Big Brother” dos nossos dias.
Walt Disney foi pioneiro nas histórias infantis animadas, deixou um legado que ainda hoje, mexe com a imaginação de nossas crianças, porém, ele era mais empreendedor do que escritor cinematográfico, suas histórias infantis têm uma diversidade de autores, portanto, ele não serve para justificar a nossa tese, mas para ilustrar quão significativo é esse ramo da literatura.
Aqui, em nosso país, o pioneiro de histórias infantis, sem sombra de dívida, é o paulista Monteiro Lobato com sua coletânea: “O Sítio do Pica Pau Amarelo”. Dentre os autores mais recentes, o mineiro Ziraldo Alves Pinto, “Ziraldo”, com o “Menino Maluquinho”. Ana Maria Machado, escritora de obras infanto-juvenis de mancheia, celebrizou-se com o livro: “De olho nas penas”. Maurício de Souza à moda Walt Disney, consagrou-se com as histórias animadas nas TVs e em gibis: “A Turma da Mônica”. Não podemos esquecer: “O Meu Pé de Laranja Lima” (José Mauro de Vasconcelos); “O Pequeno Príncipe” (Saint Exupéry), e “O Menino do Dedo Verde” (Maurice Druon).
Portanto, minha nobre doce amiga Helen, no ocaso da vida, nunca produzirei para ser divisor de nenhuma literatura, as minhas produções não são conhecidas sequer dos meus conterrâneos, sou um escritor “sem nenhum leitor”, daqui uns dias instituirei um prêmio para quem for meu leitor e, como a Mega Sena, ficará acumulado. Escrever por escrever alimentará o meu vício, mas não satisfará meu ego, lá no fundo do meu ser, sempre terei a sensação de fracasso.
Querida Helen, aqui não vai nenhum comentário desairoso, apenas à guisa de exemplo, para lhe dizer como dói não ser reconhecido, seu trabalho passar ao largo, aqui, um poeta que não herdou o talento de Fernando Pessoa, migrou para o conto e a crônica, não reconhecido, aventurou-se escrever um romance que nada vendeu (“O livro é uma mercadoria como qualquer outra; não há diferença entre o livro e um artigo de alimentação. (...) Se o livro não vende é porque ele não presta” - Monteiro Lobato). Então, ele cansado de escrever para adulto, no ocaso da vida, na casa do sem jeito, desembarcou com mala e cuia na literatura infanto-juvenil, pelo jeito da carruagem o destino de suas produções será o sebo. Não tenho o mesmo desprendimento desse escritor, por isto, não estou produzindo.
Certamente, Monteiro Lobato teve seu olhar de editor acentuado, embora grande escritor, movia-lhe o interesse do lucro, nem sempre o livro que não vende é ruim. Hoje, o livro além de ser bem escrito, criativo, é necessário um suporte de marketing por detrás para se tornar vendável. Se o autor não tiver “nome”, se a crítica especializada não lhe for favorável, se a mídia não lhe ajuda, o seu livro emperra e não é vendido. As más línguas contam que Paulo Coelho quase não vendeu seu primeiro livro. O grande poeta Manuel Bandeira custeou suas produções literárias, pois não conseguia editor, suas obras não davam lucro...
Amiga Helen, com o advento da Internet, das Redes Sociais, de Sites e Blogs, o livro impresso perderá espaço para os digitais. Hoje, existe uma grande produção de E-Books, além do fácil acesso, os livros virtuais são mais fáceis de vender, os aplicativos de downloads, baixam e imprimem um livro em alguns minutos, afora o alcance de milhares de internautas para sua divulgação em tempo recorde. Acredito que num mundo globalizado, de informação à distância, instantânea, tempo e imagem reais, o livro de papel, no formato tradicional, será substituído pela literatura virtual e condensado: - os minicontos, os poemetos, os sonetos, e os poemas haicai.
Enfim, minha querida amiga Helen, eu espero não ter sido prolixo, esforcei-me para lhe colocar a par dos últimos acontecimentos culturais da terra que já foi do cacau e justifiquei não ter mais produzido. Que Deus lhe proteja, que demore aí, somente, o tempo suficiente para concluir o seu doutorado em línguas neolatinas, depois volte para ensinar o que aprendeu aos jovens de nossas universidades públicas tupiniquins. Cordialmente, Narvil. Itabuna, 09 de junho de 2016.
 



Autoria: Rilvan Batista de Santana

Licença: Creative Commons
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 10/06/2016
Alterado em 10/06/2016


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr