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Valdelice Soares Pinheiro R. Santana

Valdelice Soares Pinheiro
R. Santana
 
Nesta Segunda-feira (13), fui presenteado por Dr. José Neto, com “O Canto Contido”, que reúne os livros: “De dentro de mim” e “Pacto”, organizado e prefaciado pelo escritor e poeta Cyro de Mattos. “O Canto Contido” é um livro de poesias da poetisa maior da nossa região e sempre lembrada Valdelice Soares Pinheiro.
Eu a conheci no início dos anos 70 na Faculdade de Filosofia de Itabuna- FAFI. Uma mulher avançada no seu tempo, incapaz da promover o mal, uma doçura de pessoa, muito culta, porém sem afetação. Conhecia como ninguém a alma humana, por isto, era sempre compreensiva com as dificuldades do outro.
Fui seu aluno no curso de filosofia em Ontologia e Estética em anos diferentes. Embora o estudo do ser, sua natureza e atributos, não fosse uma matéria prática, mas, metafísica, Valdelice Pinheiro a ensinava com jeito todo especial para torná-la mais acessível e mais compreensiva. Porém, fez a diferença quando nos ensinou Estética e não poderia ser diferente como poeta, pois é o estudo das condições e dos efeitos da criação artística, o estudo racional do belo.
Produziu filosofia em suas poesias, seus versos são universais e atemporais. Mesmo quando faz versos particulares, em que o objeto é limitado e de foro íntimo, ela dá vestimenta metafórica e sentido próprio, veja, por exemplo, o poemeto: Itabuna (1):
“Meu primeiro gesto
foi semente.
E de meus dedos longos
de esperança e sonho
levantou-se a flor
na mata enorme,
toda prenhe
deste fruto
que hoje sou”.

Itabuna não surgiu da saga dos jagunços, camaradas e coroneis do cacau, mas da “semente”, “esperança”, a flor brotou na “mata enorme” e o fruto hoje é realidade. Ou seja, o que era potência tornou-se ato. Em Itabuna (2), ela conclui com versos mais concretos: “... Eu sou plantada neste chão / Eu sou raiz deste chão / Este chão sou eu”.
Sensível aos problemas sociais, ao período da Guerra Fria entre as potências mundiais Estados Unidos e União Soviética, entre os países da “Cortina de Ferro” e o Ocidente, e, o medo que perpassava na mente do homem comum, de uma Guerra Nuclear, onde não sobraria nada ou quase nada com a destruição do mundo pelas bombas nucleares e a profecia de George Orwell do “Grande Irmão”, do “Big Brother” que Valdelice Pinheiro sintetiza em Medo:
“Existe um olho enorme
sobre o mundo.
todas as bombas,
todos os heróis
estão em expectativa.
Porque existe um olho enorme
sobre o mundo,
espiando a hora
de chorar”.

Com exceção de Graciliano Ramos, que pintou com cores fortes o drama da seca no Nordeste, em “Vidas Secas”, o poema de Valdelice Pinheiro, “Seca”, é a maior expressão literária feita sobre o assunto:
“Peitos magros
pendidos para o chão
e mãos que se levantam
em garras para o céu.
Nuvens que se vão
e chuva que não vem.
Carcaças brancas
pintando o barro do caminho
e dos olhos do menino
pau de arara
duas gotas de luz
pingando a terra
- água da dor
que a morte esfria.

Porém, é no seu poema “Testamento” que se ler uma Valdelice despojada sem preocupação com a forma, livre, leve e solta... Quando ela diz: “...deixo os meus livros / para as almas que os quiserem / e ficam os meus discos / para o sonho dos meus amigos...”, não é a pensadora, a filósofa que se manifesta, é a Valdelice que acredita nos sonhos, na esperança, no ser humano, é a Valdelice que acredita no amor.

Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 14/04/2015


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr