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Zé “Urubu”

Zé “Urubu”

R. Santana
 
Zé não usava preto nem gostava de comida pútrida, porém, passava mais tempo aqui e acolá sem compromisso de moradia fixa ou de trabalho, um simpático vagabundo, um alegre vadio, por isto, recebeu o apelido de “urubu” que com o passar do tempo tornou-se o nome de Zé.
Não era má pessoa, era prestativo, diligente, ninguém passava apuros quando ele estava perto, desembolsava o último tostão coado para socorrer um amigo sem se preocupar se seria indenizado depois.
Pedreiro de quatro costados: ele construía uma casa da alvenaria à comeeira e se fosse pago conveniente, entregava o imóvel ao proprietário pintado e na chave. Naquela época, era um dos mais requisitados profissionais da construção civil, todavia, jogava tudo pro alto quando o trabalho o entediava e corria pra mesa de snooker.
O snooker era o seu fraco. Não era um profissional do taco como Carne Frita, mas dentre os jogadores que frequentavam o “Bar de Pedro”, Zé Urubu não era um dos piores, seu jogo dava pro gasto, seus principais adversários eram Lopeu e Dico Soldado. Lopeu tinha uma alma boa, incapaz de judiar uma formiga, mas viciado no jogo de snooker, todo dinheirinho que ganhava como cambista de jogo do bicho era disputado na mesa de pano verde, enquanto isto, Dico Soldado tinha a fama de matador.
O “Bar de Pedro” era o único ponto de diversão do Bairro São Caetano na cidade baiana de Itabuna, naquela época, uma mistura de lanchonete e jogos de azar: baralho, dominó, snooker e bilhar. Funcionava, diuturnamente, do primeiro ao último dia da semana. Não havia briga entre os jogadores, quando os ânimos se acirravam com os mais exaltados, aparecia de imediato, a turma do deixa-deixa e a briga acabava antes de começar.
Zé Urubu não possuía temperamento agressivo, nem era covarde, preferia resolver qualquer pendência pelo diálogo, às vezes, com prejuízo no bolso. Dizia sempre: “prejuízo pouco é lucro” ou “não tenho inimigo no jogo, mas competidor”, assim não cultivava desafeto.


A Baixa do Sapo ficava distante uns 500 metros do Bar de Pedro, era um aglomerado de barracos e poucas casas de bloco e tijolos maciços. O nome Baixa do Sapo foi dado porque o lugar tinha muitos brejos de tabuas, à noite, era uma verdadeira orquestra com o coaxar dos sapos. Nas festas juninas, aquela gente simples fazia fogueira na porta dos barracos, quadrilhas, balões, muito forró, comidas e bebidas típicas – milho assado, canjica, amendoim, pamonha, licor, arroz doce, mungunzá, farofa de banana, frango e carne no espeto -, cada barraco era uma festa...
Naquele ano de São João não foi diferente, exceto que no meio da noite, o barraco de Mané das Onças pegou fogo. Mané das Onças, a mulher e os meninos mais velhos encontravam-se espalhados na vizinhança e o caçula bebê ficou no barraco. Quando as labaredas começaram tomar corpo, a multidão se aglomerou em frente ao barraco, latas d´água e baldes surgiram às centenas, mas o fogo não se rendia, Mané das Onças e a mulher gritavam pedindo socorro para salvar o filho, o desejo de socorrer era coletivo e o medo também, ninguém se atrevia entrar no barraco, quando do nada surge José Urubu:
- Seu Mané, calma! – em tempo recorde, ele vestiu uma capa colonial, fez de sua camisa de mangas cumpridas uma máscara e adentrou no barraco.
Os segundos tornaram-se infinitos, as labaredas subiam ainda mais, ninguém apostava que José Urubu saísse são e salvasse o bebê daquele inferno. A expectativa era enorme, o silêncio era sepulcral, algumas tábuas começavam se soltar do barraco fumegante, quando de repente, José Urubu surge do lado de fora com o pequerrucho enrolado na capa. Só teve tempo de entregar o bebê no colo dos pais e desvencilhar-se da capa e da máscara, quando o barraco foi ao chão e virou uma única fogueira, mas bebê e herói popular estavam salvos. Os gritos entoaram na Baixa do Sapo:
- Viva José Urubu! Salve o nosso herói! Deus te abençoe!...


Autoria: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 05/02/2015


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr