Textos


Academia de Letras R. Santana


Academia de Letras
R. Santana

Ao adquirir os jardins de AKADEMUS, na Grécia antiga, para fundar sua escola filosófica, Platão queria, somente, um lugar para discussão do conhecimento socrático e seu método maiêutico revolucionário, diferente do saber repetitivo de Isócrates e outros mestres do conhecimento (magister dixt et dixt) daquela época, jamais imaginou que sua escola fosse se tornar sinônimo de templos do conhecimento em todo mundo. Hoje, as academias se multiplicam (academia de literatura, academia de ciência, academia de música, academia de arte etc., etc.), em quantidade nem sempre em qualidade.
Para fazer frente às demandas de poetas, escritores, juristas e artistas, surgiram as academias mistas que contemplam todos os ramos do saber, porém, as academias de letras têm o seu lugar e seguem, hoje ainda, o modelo da Academia Francesa de Letras (40 membros efetivos e 20 membros correspondentes), a nossa Academia Brasileira de Letras (ABL) é o nosso modelo maior.
A academia é a entidade que preserva para sempre o melhor pensamento intelectual de cada época, por isto, diz-se que os seus membros são “imortais”, ou seja, sua obra não morre. Mas, com a proliferação dessas entidades (a cidadezinha mais remota do país tem sua academia), a produção intelectual dá lugar à importância social, econômica e política dos seus membros na comunidade, aí, não se tem um pensamento intelectual refinado, mas uma academia de notáveis sociais.
No seu livro “Farda, Fardão, camisola de dormir” Jorge Amado narra com propriedade a vaga que surgiu na ABL com a morte do acadêmico Antônio Bruno e a disputa entre o coronel Agnaldo Sampaio e o general Waldomiro Moreira para preenchê-la. Porém, o coronel e o general não têm o perfil do poeta boêmio e humanitário Antônio Bruno... O livro é uma alegoria satírica ao poder autoritário do Estado Novo. O poder discricionário de Getúlio Vargas tem influência até entre os literatos, então, Jorge Amado narra as futricas da academia metaforicamente e critica o regime getulista.
Não obstante as academias representarem o “noús” de uma comunidade, de um estado, ou de um país, elas não são vanguardistas, não exercem papel pioneiro nos movimentos artísticos, culturais e sociais. As ideias novas não nascem nas academias, mas fora delas, seu papel histórico é a preservação da memória dos seus literatos e suas produções, por isto, diminui cada vez mais o interesse de poetas e escritores de escol, concorrerem a uma cadeira na principal academia do Brasil. Mário Quintana atribuía este fato à ingerência política: “Só atrapalha a criatividade. O camarada lá vive sob pressões para dar voto, discurso para celebridades, é pena que a casa fundada por Machado de Assis esteja hoje tão politizada, só dá ministros”. Hoje, se Mário Quintana estivesse vivo acrescentaria: “... e ex-presidentes do país”.
No interior os problemas das academias se somam, elas possuem autonomia financeira e administrativa, no entanto, não possuem receitas além das contribuições dos seus membros, geralmente, insuficientes para as despesas, quando são reconhecidas de utilidade pública, elas conseguem verbas de instituições municipais, estaduais e federais, todavia, é uma caminhada para isso acontecer, será necessário que as academias apresentem projetos factíveis e de interesse público para suas comunidades.
No ato de fundação de uma academia, os empecilhos não são menores, além da elaboração do seu estatuto e do seu regimento, o preenchimento das cadeiras, é um processo seletivo demorado para que subliteratos não tomem conta da entidade e comprometam sua representatividade. No interior, o indivíduo produz alguns poemas menores, prosa de má qualidade, subliteratura enfim, e, autodenomina-se escritor ou poeta e como tal quer ser reconhecido pela entidade acadêmica do lugar.
Afora os fuxicos, as intrigas sorrateiras, a difícil convivência com egos inflados, a paciência para suportar egoístas e autossuficientes neuróticos, sabedoria para eufemizar a ascendência acadêmica desleal de alguns, as academias são lugares de conhecimento eterno e repositórios do saber. Se lideradas por pessoas de bom senso, capazes, humanas, de grandeza de espírito, as academias são indispensáveis na promoção do saber e na preservação para sempre da cultura de um povo.

Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 03/11/2014


Comentários


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr