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A cobra e o teiú - R. Santana

A cobra e o teiú
R. Santana

     Naquela manhã que não vai muito longe, encontrei o velho Tanaguchi na Praça Olinto Leone em Itabuna. Não foi um encontro acidental, sabia, a priori, que o descendente de pais da “Terra do Sol Nascente” estava ali, fazendo o que mais gostava: ler e refletir. Fiz-me surpreso:
     - Quê faz aqui homem dos livros!? – o velho olhou-me com cara de poucos amigos, mas relaxou:- Estou lendo    “Histórias da Bahia” de Jolivaldo Freitas. É um livro de crônicas humoradas da cidade soteropolitana – fez uma pausa e continuou:
     - Narvil, o poeta teve razão quando afirmou: “... o Céu é do Condor, a Praça é do povo!” A praça é uma coisa mágica Narvil, aqui, sentam-se ricos, pobres, pretos, brancos, amarelos, bons e maus, todos unidos pela magia da praça. Todos são velhos conhecidos e desconhecidos ao mesmo tempo. Cada um tem sua história... Se alguém puxa conversa com seu parceiro de banco da praça, dentro de poucos minutos, suas vidas tornam-se comuns – de repente, perguntou-me:
     - E você? – eu não entendi, ele percebeu:
     - Tu fazes aqui, o quê?
     - Ah! Vou ao Banco do Brasil, pagar minhas faturas!
     -Não tenho preocupações com essas coisas, moro com meu filho, dou-lhe o dinheiro da aposentadoria, ele que se vire!
     -É por isso, velho nissei, que você ler o tempo todo, não tem preocupação cotidiana! – brinquei.
    -Engana-se Narvil, trabalhei na lavoura como um louco no interior de São Paulo, mas nunca me desgrudei de um bom livro, lia-o no horário das sestas, o genial Monteiro Lobato disse que: “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”, portanto, meu amigo, o ócio não me fez leitor nem pensador, mas me fez mais leitor e mais pensador – fez uma pausa e falou:
     -Dizes aí lagartense? Tu não estás aqui por acaso! – o velho é perspicaz, fiz-me de desentendido...
     -Filho de oriental, não é o que vos dizeis!
     -Estou brincando, Narvil! – aproveitei seu espírito desarmado e o cutuquei:
    -Tanaguchi, tu estás me devendo a história: ”A cobra e o teiú”, que tu começastes naquele dia e não terminastes!
     -Diz a sabedoria popular: “Quem conta um conto, aumenta um ponto”. Por isto, escuso-me quando posso, de não recontar história que li em algum lugar...
     -Pelo menos, desta vez, homem dos livros!
     -Não sei se me lembro dos detalhes, mas vamos lá!...

                                                                                ***

A cobra e o teiú

     -Por aqui dona cobra? – saúda-a o teiú.
     -A fome é a mãe de todas as necessidades...
     -Espero que não me dê um bote!
     -Não, não será necessário, não muito longe daqui tem uma lagoa com sapos apetitosos – completou:
     -Além disto, amigo teiú, os nossos embates são violentos!
     -Não seja modesta dona cobra sua picada tem derrubado muitos homens, seu enrosco tem amassado os ossos de muitos animais!
     - Folclore...
     - Folclore?
     - Folclore, meu amigo teiú, o que mata é o susto, não a picada!
     - Eu quero prova, dona cobra!
     - Vou lhe dar...
     - Que é de a prova!?
     - Amigo teiú, só é possível se me ajudar!
     - Como, ó espécime do bem e do mal?
     - É fácil...
     - Fale, senão, irei voltar para minha toca! – a cobra cochichou no ouvido do teiú, ele de pronto concordou e lá se foram para beira da estrada.
     Certo viandante passava despreocupado pelo caminho quando sofreu uma fisgada no calcanhar, olhou de lado, viu um enorme lagarto, o caminheiro fez um rapapé e o lagarto se escondeu dentro do mato. Tempo depois, surgiu na mesma estrada outro viajante que sofreu, também, uma pontada no calcanhar, quando se vira, um enorme jaracuçu, o susto foi enorme e foi-se ao chão!...
     A cobra comentou:
     - Eis aí a prova meu amigo lagarto, você mordeu e apareci, o viajante morreu e o contrário o viandante fez pouco caso.

                                                                           ***
MORAL

     - Faça sua fama e deite-se na cama – arrematou Tanaguchi.

 

 

 


Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons

Membro da Academia de Letras de Itabuna

Imagem: Google

Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 01/06/2014
Alterado em 01/11/2023


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr