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Carta para Maria Rosa R. Santana

Carta para Maria Rosa
R. Santana


Querida amiga, Maria Rosa, carpe diem:
 
Recebi sua cartinha num momento de angústia e fragilidade (levaram meu neto João Victor para Salvador), por isto não lhe respondi logo, como a amizade, a consideração e a praxe epistolar exigem, agora, que me deu na telha lê-la e analisar cada tópico de sua querida missiva, pois não é somente uma carta de amizade dos tempos de escola, mas muito mais: - um documento de cobrança e de saber.
Sua carta iniciou me colocando dentro da escola da professora Nair Assis Menezes (acredito que ela está à beira dos 90 anos de vida, lúcida e forte), de corpo e alma, há mais de 50 anos passados, quando os nossos sonhos de pré-adolescentes norteavam as nossas vidas e não tinham limites... Quantas vezes pensei ser Napoleão Bonaparte e libertar o Brasil das mazelas de ontem que não eram diferentes das mazelas de hoje? Inúmeras.
O episódio mais significativo que guardei na Escola Sagrado Coração de Jesus - ESCJ, foi o dia de sabatina - a tabuada e a gramática Olga Pereira eram condições sine qua non para que cursássemos o “Admissão ao Ginásio”. Naqueles dias de sábado, dona Nair reunia em grupo de 10 ou 12 alunos, sentados em semicírculo nas cadeiras sem braço e nos perguntava a tabuada de mais, de menos, de vezes e de divisão, aquele que não respondia na ponta da língua o cálculo, ela passava a pergunta para o colega subsequente, se ele acertasse, daria 1 “bolo” de palmatória ao negligente do estudo das operações aritméticas, se ambos erravam, ela praticava com vontade esse mister.
Maria, lembra-se que tomei 6 “bolos” por sua causa? Não!? Pois vou lhe refrescar a memória: - eu não era aluno brilhante, porém, possuía certa aptidão para números, tabuada eu tirava de letra... Num daqueles dias, você foi sabatinada e errou a resposta, então, fui o próximo arguido, mas lhe dei um “bolo” fraquinho – estávamos de namoro - dona Nair enfurecida, deu-me 6 “bolos” ardentes e a recomendação: “vou lhe ensinar como é que bate”.
Bons tempos aqueles minha amiga Maria Rosa, afora as admoestações do pároco nas missas de Domingo, não tínhamos preocupação maior, não sabíamos do preço do feijão, do arroz, do café, da farinha, do toucinho, da carne, do frango, do remédio, do tomate, do coentro, da cebola... a única coisa que os nossos pais nos exigiam era que estudássemos para “ser gente”, que para muitos dos nossos contemporâneos, era o mesmo que pedir ao Diabo que se curvasse diante da cruz!...
Ralha comigo por que razão eu não lhe escrevo sempre nem produzo literatura como antes, procede. Não é fácil escrever sem motivação nem encontrar novo caminho, tudo que penso escrever alguém já o fez com desenvoltura e competência. Não me sinto à vontade no papel de reprodutor (não plagiador) de ideias conhecidas, não concordo com o filósofo que disse que tudo já foi dito, mas que é necessário dizer de novo para que se ouça, é mais ou menos o princípio de comunicação de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Hitler: “a mentira repetida ganha foro de verdade”.
Acho que sempre há um caminho novo a percorrer, difícil é encontrar o atalho como encontrou Pablo Picasso, Paul Cézanne, Charles Baudelaire, Gregório de Mattos, Cláudio Manoel da Costa, Byron, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Lima Barreto, Guimarães Rosa, Drummond, Olavo Bilac, Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Fernando Pessoas (os heterônimos), e outros não menos iluminados.
Querida amiga, os modelos de literatura e de artes plásticas se esgotam com o tempo, é necessário sempre um novo paradigma. Acredito que a literatura do futuro e as artes plásticas serão concisas, pouco conteúdo e mais significado na palavra ou na imagem, veja as mensagens das Redes Sociais e os e-mails, os jovens são econômicos nas palavras, às vezes, uma frase define um contexto.
Querida Maria Rosa, eu prometo-lhe por todos os santos, conhecidos e não conhecidos, doravante, congestionar de notícias sua caixa postal e seu e-mail com notícias minhas e das pessoas que quero bem, perdoe as minhas falhas, não são falhas de caráter, é que Deus não me tem permitido, ultimamente, nenhuma inspiração na criação duma nova obra.
Ah! Conheço sua inteligência e perspicácia e irá dizer: “... meu caro Narvil, uma Nova Escola não sai da cabeça de um indivíduo, mas é uma confluência de fatores emocionais e sociais de cada período, portanto, deixe de pretensão pequeno homem!”, lhe responderia na bucha:
- Linda mulher de ontem e de hoje, não é a arte que imita a vida, mas a vida que imita a arte, se alguém faz uma arte nova do gosto de todos, não se engane linda mulher, todos irão imitar essa arte sem reflexão se é boa ou ruim.


Do seu amigo,
Narvil

Autor: Rilvan Batista de Santana
Licença: Creative Commons
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 06/05/2014
Alterado em 06/05/2014


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr