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Carta para Júlia R. Santana

Carta para Júlia
R. Santana

Querida Júlia:


Quero lhe pedir desculpa por ter deixado de maneira abrupta sua casa sem lhe dar um abraço. Sei que para você o meu abraço não tem nenhum significado ou quase nenhum significado, pois são tantos os seus amigos e simpatizantes que não lhe farei falta. Porém, os meus princípios éticos e os meus rudimentos de educação me fizeram lhe apresentar as minhas escusas.
Eu sou impulsivo, tenho “pavio curto”, mas tenho a lhaneza das almas sinceras e francas. Não sei lidar com hipocrisia, falsidade, conchavo, facção, grupo, situação tendenciosa e autoritarismo. Neste terreno humano pantanoso não sei pisar, fácil me afundo nesse charco, terreno próprio para temperamento pantomimeiro e maleável como o barro do escultor.
Agora, entendo você não ter dispensado nenhuma análise séria e profunda ao meu pedido de democratizar mais suas ações, preferiu auscultar quem tinha a resposta que mais lhe agradava, a mais cômoda, preferiu auscultar pessoas que resistem às novas tecnologias, preferiu auscultar pessoas que têm medo de mudar por imperícia e incompetência.
Querida Júlia, quem não compartilha suas ideias, quem não tem coragem de se desvencilhar do mofo convencional, de ir ao encontro do novo, repetirá a mesmice do passado, mas jamais contribuirá para o clamor do presente e a grandeza do futuro. Permita-me citar a reflexão de Albert Pine: “O que fazemos para nós mesmos morre conosco. O que fazemos pelos outros e pelo mundo permanece e é imortal”, portanto, irá compreender que a ousadia de querer que se adequasse aos novos tempos não foi demais nem inoportuna.
È sabido que o homem é o único ser pensante, todavia, nem sempre ele pensa da mesma forma, alguns homens passeiam no mundo da abstração, o céu não é o limite; outros homens possuem a inteligência emocional de Daniel Goleman e transitam com facilidade com as dificuldades sociais, são mestres na arte de conviver, engolem sapos, cobras, lagartos e não reclamam de nada. Outros homens são afeitos às praticas da vida, possuem a sabedoria do mundo, exemplo emblemático é o barqueiro de Paulo Freire, ele não tinha o saber dos seus passageiros, não lhe importava a natureza do rio, se o rio era de água doce ou salobra, porém, aprendera nadar com desenvoltura em suas águas pra não morrer afogado.
Júlia, eu sei que sua casa é eclética e abriga os intelectuais mais reluzentes de nossa terra tupiniquim, cabeças versadas em literatura, em filosofia, em história, em linguística, em geografia, em leis, em artes, enfim, homens e mulheres de saber excepcional, comprometidos e capazes de representar bem a nossa cultura humanística, aqui, ali e alhures, mas abriga também, gente que o ego é mais inflado que o peito pode suportar, gente autossuficiente em excesso, egoísta, não generosa, gente sedento de elogio e reconhecimento, gente que usa a reputação de sua casa para aparecer, gente que não tem luz própria e procura um feixe de luz para se iluminar.
Tenho contribuído modestamente para que sua casa cresça, desde a fundação, com dispêndio de tempo, dinheiro e divulgação, em contrapartida, tenho recebido de seus amigos atitudes desairosas, de pouco caso, de nenhuma estima. Não persigo láureas, prêmios, reconhecimento, fama, pois não fiz nada para merecê-los, não sou intelectual, não sou cientista, não sou poeta, não sou escritor, fui um trabalhador comum, hoje, sou mais um aposentado da previdência pública e esses estigmas de sucesso para mim não são mais significativos.
Acredito que sua casa ficará na história desta terra como referência cultural e estimulará jovens e adultos buscarem novos conhecimentos científicos, artísticos e literários, não sei se com esses amigos atuais que possuem o autoritarismo no sangue e resistem sair do domínio intelectual.
Às vezes, eu tenho vontade de não mais lhe frequentar, mas lhe vi nascer, sofri com as dificuldades iniciais até você se tornar gente, além disto, seria ingrato com algumas pessoas que estimo e prezo e me deram a oportunidade de acompanhar o seu parto. Por outro lado, não frequentar mais sua casa, seria premiar os meus quase amigos e mostrar-me pusilânime e indeciso.
Querida Júlia, se o bom senso de Descartes e a sabedoria de Salomão tocarem no coração e na mente dessas pessoas, sua casa será mais democrática e mais promissora e todos farão do prazer um compromisso.

Cordialmente,
Narvil

Autor: Rilvan Batista de Santana
Itabuna, 16.06.2013
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 16/06/2013
Alterado em 17/06/2013


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr