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Deus deu as costas ao homem 

Deus deu as costas ao homem
R. Santana


Léo e Mateus têm uma amizade do outro mundo, diria Chico Xavier se vivo fosse, é que desde que Léo veio ao mundo, Mateus lhe dispensa cuidado e amizade. Agora, que Léo tem 19 anos de idade e Mateus mais de 50 anos de vida, a diferença de idade não os afastou, mas os uniu cada vez mais e não pense algum desavisado que eles pensam da mesma forma, têm as mesmas ideias, Mateus é socialista cristão e Léo agnóstico, positivista, todavia, um compreende o outro: Mateus lhe atribui os arroubos da juventude e Léo lhe atribui a prudência da maturidade.
Naquele dia que não vai muito longe, ambos tiveram um diálogo que despertaria o interesse de qualquer indivíduo ouvi-los por mais bronco e desligado que fosse da vida e das coisas do mundo, Deus em sua providência permitiu que tudo fosse ouvido pelas pessoas em volta e colocado no papel:
- Velho, passei no vestibular de medicina! – começou Léo.
- Medicina, rapaz!?
- Medicina!
- Se tivesse sua juventude, faria filosofia, psicologia, exegese, teologia...
- Maluqueceu Mateus? Eu acredito no que vejo, posso tocar, experimentar e não em elucubrações estéreis, metafísicas, religiosas... Medicina é ciência, dá dinheiro e prestígio social!
- Meu caro discípulo de Hipócrates, não existe conhecimento mais sublime do que o conhecimento de Deus e do homem...
- Não sou ateu, mas não entendo esse Deus insensível que deixa as criancinhas sofrerem nos hospitais de males incuráveis, os pobres morrerem na fila do SUS, crimes hediondos proliferarem impunes, políticos corruptos, ditador em várias partes do mundo, massacrar o seu povo, pastores enriquecerem em nome de Jesus Cristo e os maus prosperam e têm saúde – fez uma pausa e continuou:
- Não comungo com o niilismo de Nietsche, nem com o deísmo de muitos, existe uma energia cósmica inteligente que deu origem ao universo, com leis físicas e biológicas imutáveis, todos nós somos centelhas dessa energia não no aspecto panteísta, mas no aspecto intelectual e consciência moral...
- Bravo, rapaz! Eu sei que tu és um leitor voraz e inteligente, já me arrependi da intromissão que fiz, porém, para mim Deus é o Deus da Bíblia, que celebrou uma Aliança com o homem, e, Jesus Cristo, seu filho unigênito, nos deu sua palavra de ressurreição e vida eterna. Os males decorrem dos pecados humanos, da sua desobediência ao Pai Eterno, mas Deus é amor absoluto, bondade suprema, perdoará o mais infame dos pecadores, desde que ele se arrependa e continue no caminho da retidão. Se fossemos, somente, “centelhas de energia”, qual seria o significado da vida? Nenhum!
- Meu caro Mateus, eu vejo que ao longo dos anos tu não perdeste as ideias atávicas religiosas e atribui os males da vida ao pecado, a desobediência do homem a Deus. Porém, os infortúnios, os sinistros da natureza e as doenças não são castigos de Deus, mas são possibilidades contingenciais e reais da existência do homem e do mundo. Se fosse de acordo o seu parecer, o homem bom seria sempre feliz e o homem mau sempre infeliz!...
- Meu querido Léo, não é dado ao homem conhecer os desígnios de Deus, por isto, eu persevero em minha fé. Tem razão quando diz que eu não perdi as ideias religiosas dos mais pais e meus avós e não quero perdê-las, elas me fazem bem à alma, ao espírito... Não me interessa conhecer a natureza de Deus, mas tê-Lo comigo a todo instante da minha vida. Nasci na fé, confio nas promessas de Jesus Cristo, concordo com São Paulo, quando diz: “Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé” (1 Cor.15,12-13), portanto, é estéril nossa discussão, é ir a lugar nenhum, não é!?
- Concordo. Quero lhe lembrar que não puxei conversa religiosa, apenas, vim lhe dar a notícia do meu vestibular. Admiro sua prática religiosa, talvez, quando tiver a sua idade, tomarei o caminho da igreja sem discussão. Não sou ateu, no máximo um agnóstico, um positivista, um racionalista... Porém, não entendi ainda a razão de tanta maldade, de tanta injustiça, de tanto sofrimento, de tanto sinistro, de tanta desgraça... – fez uma pausa e arrematou:
- Meu bom amigo não me queira mal, não pense que é arroubo da juventude, mas faz muito tempo que Deus deu as costas ao homem!...

Autor: Rilvan Batista de Santana
Itabuna: 20.03.2013
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 20/03/2013


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr