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A face obscura do homem - 15 de Junho (Capítulo 32)

32

15 de Junho

Uma semana depois do assassinato de Pedro Marques, dona Clô e o padre Apolinário conversaram na sacristia e não embaixo dos lençóis. A missa ainda não tinha começado, além disto, o padre gripado, afônico, pediu ao seu colega Passos que assumisse os trabalhos da igreja naquele Domingo, 15 de Junho de 1958. Os amantes estavam preocupados com os últimos acontecimentos, dona Clô foi quem iniciou o diálogo:
- Mais um crime no rol dos insolúveis!
- Não sei não!...
- Essa polícia é incompetente, até hoje, não descobriu o crime de Rita Ladaró!
- Eles estão investigando! – acrescentou:
- Aliás, o detetive me disse que havia sido contratado por Honório Ladaró pra auxiliar a polícia nas investigações!
- Acho que blefou...
- Tem certeza que foi um blefe?
- Absoluta. O coronel é pão duro, não ia trazer detetive de Salvador... Não ia se dar a esse desfrute!
- Não sei...
- Disse-lhe mais o quê?
- Que não fui o assassino de Rita!
- Ele sabia quem a envenenou?
- Sim!
- Mas...
- Clô, deixe de sutileza, não me queira tornar culpado de um crime que não pratiquei!
- Calma, mas se o coronel descobre seu caso com Rita...
- Tu achas que estou me borrando de medo desse assassino fazendeiro, não é Clô? Não tenho medo dele nem dos seus capangas. Aliás, não tenho medo desses devassos desta terra de primitivos, que maltratam suas mulheres e cuidam bem das raparigas e amantes. Rita fez o que muitas deveriam fazer: encher a cabeça de cornos desses maridos infiéis! Clô, antes que alguém me mate, irei denunciar para todo Brasil, as leis às avessas desta terra, a corrupção dos costumes, a hipocrisia social, a sujeira debaixo do tapete, o consentimento doentio das mulheres que ao invés delas lutarem por mudança, se acomodam e se homiziam dentro de casa, então, sublimam na religião, o casamento e a fé que não possuem! – fez uma pausa e continuou:
- Nós, também, somos cúmplices ou vítimas dessa sociedade pervertida e imoral, tu não penses que José Maria é melhor do que Ladaró, eles são cartas do mesmo naipe, se ele já tivesse sabido do nosso affair, nós não estaríamos aqui, conversando nem esmiuçando quem matou sicrano ou beltrano, mas no cemitério com Rita Ladaró!...
Dona Clô ficou pensativa, descobriu de chofre um Apolinário que não conhecia, não poderia desdizer-lhe, afinal, Apolinário falou a verdade, as mulheres da terra, eram reprimidas, infelizes, sufocadas, usavam a religião para não encarar seus problemas de frente.
Porém, pensava: “Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa... Se Pedro Marques não conhecia Gaiardoni, que consideração lhe tinha para avisar, apenas, que ele não é o criminoso, mas outro indivíduo e que a polícia não ia tardar descobrir? Deveria haver mais coisas, certamente, havia muito caroço embaixo do angu, o detetive vir de Salvador só para lhe confortar? E, se o coronel não conhecia o detetive, quem o indicou e os porquês?...” E, contra-atacou:
- Tudo que falou da mulher grapiúna é verdade, mas qual é sua verdade?
- A minha verdade?
- Sim!
- É de foro íntimo!...
- A polícia vai acreditar em sua elaborada versão? Se o detetive veio de tão longe para lhe dizer que não é o criminoso, poderia ter lhe dito quem foi o homicida, não?
- Concordo, mas ele não me disse. Ele me procurou por outro motivo, que é particular, não tem haver com esse crime. Só quem lhe contratou tem o nome do criminoso!
- Quem o contratou?
- Ele me disse que foi o coronel Honório!
- Não acredito. O coronel nunca o tinha visto mais gordo...
- Conhece alguém que privasse de sua intimidade?
-Meu marido!
- Então, ele deve saber quem envenenou Rita!?
- É possível!... – Clô quedou-se pensativa
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 24/09/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr