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A face obscura do homem - Fatalidade?... (Capítulo 31)

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Fatalidade?...


No dia 8 de junho de 1958, às 19 horas, começava a “Copa do Mundo”. No Brasil só se falava em Pelé e Garrincha. Pelé, a coqueluche da época; Garrincha, o virtuosismo, o homem das pernas tortas que deixava o adversário maluco de dribles e firulas desconcertantes. Pelé, com 17 anos de idade, era o Neymar de hoje, a grande esperança... O Brasil começou bem, deu de 3 a 0 na Áustria.
Nessa Copa do Mundo, o Brasil não estava entre os favoritos. Os favoritos eram Alemanha Ocidental, a campeã de 1954, Hungria, União Soviética, Inglaterra e Suécia por sediar o torneio e ter grandes jogadores. O Brasil jogou no “Grupo 4”, com Áustria, Inglaterra e União Soviética. Nas “Quartas de Final”, o Brasil bateu o país de Gales e na “Semifinal”, o nosso país arrasa a seleção francesa e parte para “Final” com a Suécia.
A partida final foi disputada no estádio “Rasunda”, um estádio europeu de gente ariana, mas que se rendeu aos talentos de Garrincha, Pelé, Nilton Santos, Didi, Gilmar, Zagallo e os demais jogadores. Antes do jogo, a “Seleção Canarinho”, teve que abrir mão do seu uniforme tradicional, pelo fato da Suécia ter a mesma cor da camisa, e, jogar com o seu uniforme azul que ficou vaticinado no dizer de Dr. Paulo Machado de Carvalho: “Nós vamos vencer, vamos jogar com a cor do manto de Nossa Senhora Aparecia” - o Brasil teve nesse jogo o primeiro titulo de campeão da “Copa do Mundo”, com o placar de 5 a 2 em 29 de Junho de 1958.
O leitor apressado pode pensar que o contador desta história, perdeu o fio da meada e criou o capítulo da Copa do Mundo de 1958, que nada tem haver com o padre Apolinário, nem com dona Clô, nem com Dr. José Maria, nem com Manfred Spitznamen, e outros personagens... Porém, se tiver paciência e atentar para o título deste capítulo: “Fatalidade?...” e o seu desfecho, irá compreender que enfocar aquele momento festivo foi necessário, pois o principal personagem, doutor José Maria, morreu no dia que esse torneio findou e Pedro Marques, detetive de nomeada, foi assassinado no dia que esse torneio começou.
No dia 8 de junho de 1958, às 19:00 horas, a metade de machões da sociedade itabunense estava ouvindo o jogo no Sport Bar, regado à bebida e ao aconchego das prostitutas. Lá, dentre outros, estavam Pedro Marques e doutor José Maria no meio da fanfarra e dos gritos de gol do Brasil em cima da Áustria.
O jogo foi televisionado, porém, era preferível ouvir o jogo pela Rádio Nacional ou Rádio Globo à imagem trêmula, em preto e branco, das TVs.
Às 3:15 h da madrugada, Pedro Marques e José Maria quase que não se aguentavam em pé. O advogado insistiu continuar bebendo, então, o detetive se despediu dos demais e tomou o caminho do “Hotel Portugal”. O advogado, com a voz meio embolada, insistiu que o detetive continuasse até o fim da noite:
- Pe...Pe...dro, me... meu a...mi...go, nã...não...vá... em...bora...
- Vo... vou... vi... viajar a... amanhã Zé, me...me... dei...xe!!!
O detetive saiu cambaleando, mas se esforçando para se aprumar, quando, quase no final da Rua Sete de Setembro, encontrou-se com um marginal que lhe exigiu, sob a ameaça duma peixeira, que lhe entregasse a carteira e o relógio. Não obstante Pedro Marques tivesse sido atacado por detrás e não muito sóbrio, não se rendeu logo, deu um golpe de judô no adversário, mas teve a infelicidade de cair em cima da faca, embolado com o marginal.
A morte brutal de Pedro Marques repercutiu em todo estado da Bahia... O governador despachou para Itabuna um batalhão de soldados “Cosme e Damião” que vasculhou a cidade, mas não encontrou o assassino. O adiantado da hora e a madrugada chuvosa contribuíram para ausência de testemunhas. A família do detetive se deslocou para Itabuna e providenciou o translado do corpo para Salvador. Dr. José Maria não poupou dinheiro nem esforço para que tudo ocorresse bem, a família de Pedro Marques foi hospedada em sua casa.
Algumas autoridades duvidaram de latrocínio, mas crime de mando, execução... Por conta de sua profissão, o detetive tinha muitos inimigos ocultos. Alguns poucos sabiam o verdadeiro motivo de sua passagem por Itabuna, dentre esses poucos, o padre Apolinário, doutor José Maria e dona Clô.
A missa de corpo presente foi celebrada pelo padre Apolinário Gaiardoni que alegou não ter conhecido muito bem o detetive, mas que os seus amigos atestaram sua idoneidade moral, seu compromisso com a polícia, com a lei, com a justiça, que seu trabalho de detetive de crimes insolúveis, com a descoberta de malfazejos, seria lembrado e seguido por longo tempo por essa categoria de homens de denodo e de compromisso com o bem estar da sociedade.
Dona Clô, na porta do velório, chorosa e racional, clamava pela justiça humana e divina!...
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 24/09/2012


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