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A face obscura do homem - Elite Bar (Capítulo 25)

25

Elite Bar

Uma mistura de lanchonete, sorveteria e bar de snooker o seu forte. Naquela época, era a coqueluche, todos, comerciantes, advogados, médicos e comerciários desciam à Rua J. J. Seabra, e, iam jogar snooker, tomar uma cerveja, tomar um whisky com gelo, ou, lanchar no “Elite Bar”.
Não havia cisma de família frequentar aquele ambiente feito mais pra homem, é que as mesas de bilhar e snooker ficavam no fundo do estabelecimento, separado por uma divisória de madeira e vidro na lanchonete e sorveteria, os jogadores adentravam por uma porta lateral no recinto do jogo.
Não havia arruaça, briga, ou seja, qualquer desconforto que desagradasse a clientela e comprometesse o nome da casa comercial, se algum desavisado quisesse perturbar o ambiente, era convidado ir embora, se resistisse, a polícia era chamada e poucos minutos depois o arruaceiro saía da casa de entretenimento por bem ou por mal.
Naquela tarde apareceu no bar, um rapaz franzino, moreno, de boa estatura, convidando algumas pessoas para o jogo de snooker, não parecia saber jogar, perdia mais do que ganhava: espirrava o taco, suicidava, cegava, mostrando-se inapto para o jogo, no jargão dos jogadores, um pixote, mas um pixote diferente, um pixote que não reclamava quando perdia, parecia blefar...
Não fumava nem bebia, quando muito, tomava um cafezinho ou uma água mineral, apresentou-se como vendedor de remédios. Não gostava do baralho, porém, era viciado no jogo de snooker. No segundo dia de sua estada em Itabuna, em particular, nas mesas de jogo do “Elite Bar”, fez-se conhecido na roda de jogadores, como trouxa, pixote, otário, todos queriam jogar com ele, pois a vitória era certa, porém, no terceiro dia, a surpresa:
-Vamos jogar uma partidinha, amigo! – convidou o forasteiro.
-Eu só jogo apostado, topa? – ele fez corpo mole:
-O senhor me dá quantos pontos de vantagem?
-Quem dá ponto é o doutor!... – disse-lhe Louro Prata com galhofa...
Louro Prata era um sujeito engraçado, uma mistura de negociante, guarda-noturno e pedreiro. Não tinha nada, além de muitos filhos e um humor apurado. Quem não o conhecia, o tomava como rico, ele só falava em fazenda, gado, cacau e muito dinheiro, por isto, apelidaram-no de “Louro Rico”, mas era gente boa.
-Quanto o senhor aposta?
-O seu bolso é o meu limite!... – gracejou Louro Rico...
Começaram jogar. Louro Rico não era um ás do taco, porém, dava suas tacadas com certa desenvoltura. Ganhou apertado a primeira e a segunda partidas, mas foi perdendo à medida que a aposta crescia. Os “perus” passaram justificar as vitórias do “forasteiro” pela imperícia de Louro Rico com o taco de snooker, os mais fanáticos atribuíam suas derrotas àquela data: sexta-feira 13!...
O badalo do relógio de parede batia 19:15 horas, quando adentra ao bar, doutor José Maria, que de costume, tomava sua cervejinha e brincava algumas partidas de snooker, antes de ir para casa. Já conhecia an passant o forasteiro, surpreendeu-lhe quando o viu jogando com Santinho apostado. Santinho era afamado no taco, quem o conhecia não lhe convidava para apostar ou jogar, por isto, ficou de espreita observando o desfecho do jogo.
As duas primeiras partidas, Santinho ganhou com certa folga, na terceira partida, triplicaram-se as apostas, muitos assistentes apostaram por fora, em menor monte porque o forasteiro embora tivesse crescido no jogo, ainda não inspirava confiança e quem apostou nele, apostou com vantagem de pontos e de dinheiro!...
Santinho deu a saída e espalhou as bolas vermelhas e uma delas caiu na caçapa, mas foi só, o forasteiro pegou na bola vermelha e deixou para o adversário a bola rosa e a preta na mesa, ou seja, a soma de 13 pontos, os analistas de plantão – depois do jogo -, afirmaram que o forasteiro tinha feito de propósito para marcar o dia 13!... Santinho jogou com força na bola rosa, ela bicou e engasgou na caçapa, foi o seu fim, o forasteiro fechou o jogo.
Àquela altura, a torcida e a admiração pelo forasteiro tomavam corpo, os brios de Santinho foram mexidos, as apostas cresceram ainda mais na quarta partida e a responsabilidade do forasteiro também, embora não tivesse mandado ninguém jogar em seu taco, alguém poderia não se conformar com o prejuízo e culpá-lo pela derrota.
Santinho não jogou, ficou de taco na mão, o forasteiro ao invés de saída espalhafatosa, jogou com tanta perícia na primeira bola 1 – ao arrumar as bolas na saída do jogo, ele deixou uma bola 1 em posição estratégica -, foi pouco e pouco, eliminando as vermelhas, a bola amarela, a bola marrom, a bola verde, a bola azul, a rosa e finalmente a preta com a soma de 82 pontos.
O burburinho começou tomar conta do salão. Jogadores de outras mesas largaram os tacos e fecharam as contas e correram para mesa de snooker de Santinho e o forasteiro, um deles quis saber se o forasteiro era o mesmo que havia sido taxado de pixote:
-O homem é batuta no taco, deitou no chão pra enganar urubu! – o outro insiste:
-Mas, ele não sabia nem pegar no taco...
-João, deixe de ser orelhudo, o homem se fez de santo pra ser visitado! - O outro ficou calado.
A sala estava agitada... Alguns perdedores insatisfeitos culpavam Santinho pelo prejuízo, eles relutavam em reconhecer a habilidade do forasteiro, que o desconhecido havia crescido em decorrência do nervosismo de Santinho, e, que o tira-teima seria a negra de cinco partidas, mas com a saída de Santinho, o forasteiro contra-argumentou:
-Não, senhores, sai o jogo quem ganhou a partida anterior! – um dos perus gritou:
-Não em uma negra de cinco! – a maioria o acompanhou...
O forasteiro ficou na casa do sem jeito. Santinho abriu a partida e usou sua jogada de sempre: a bola branca impactava com força no monte de bolas em forma de triângulo, geralmente, duas ou três bolas caíam nas caçapas, mas naquela partida, somente a bola seis foi encaçapada, voltou jogar na bola 1 e não teve sucesso, então, foi a vez do forasteiro...
O salão estava lotado, se uma mosca passasse faria zoada, doutor José Maria cochichava com os amigos, mas com os olhos grudados no jogo. Passou a torcer e simpatizar o adversário de Santinho, ele temia que se Santinho perdesse, o rebu fosse formado, culminando com violência, por isto, chamou Hortêncio – sujeito valente, responsável pela morte de muitos ladrões vagabundos no Bairro Cajueiro, reduto famoso de prostitutas, cujos randevus eram identificados com lâmpada vermelha na porta - seu protegido e pediu-lhe que ficasse de olho e defendesse o rapaz se fosse necessário.
O forasteiro, calmamente, circulou a mesa de snooker, olhou para o adversário como se o estudasse, depois foi encaçapando uma a uma todas as bolas. No final, sobraram as bolas 6 e 7, insuficientes para Santinho virar o jogo.
A bola 6 estava no seu ponto enquanto a bola 7 estava colada à direita da caçapa do meio e a bola branca quase na posição da bola 5, para o jogador comum, a bola 6 oferecia mais facilidade, porém, para demonstrar habilidade absoluta, ou vaidade, o desconhecido com maestria, deu um toque com efeito na face menos frontal da bola 7, ela bateu no lado menor do retângulo da mesa, em seguida no lado esquerdo, e, deslizou como se estivesse teleguiada e caiu na caçapa do mesmo lado direito de onde saiu. Os apupos e aplausos não foram contidos, todos estavam estupefatos, boquiabertos!...
Santinho, numa atitude indelicada, jogou o taco sobre a mesa. O mesmo peru que condicionou a saída de Santinho, agora, instigava que todos tinham sido enganados pelo forasteiro, que se apresentou como pixote para surrupiar e ludibriar o dinheiro dos incautos perdedores, mas Santinho foi correto:
-Pare com isso Chico Reis, quem joga apostado, esconde o jogo pra não espantar o parceiro! – mas, Chico Reis insistiu, quando surgiu Hortêncio:
-Camarada não perturbe o ambiente, o seu amigo foi decente quando reconheceu a derrota e não quer retaliação! – Chico Reis não aguentou:
-Eu sou indecente? Quem lhe pediu palpite? Se Santinho e os meus quiserem, esse pilantra irá devolver o dinheiro por bem ou por mal! – Hortêncio de “parabelum” na mão, de um pulo se colocou ao lado do forasteiro:
-Venha seu canalha buscar o dinheiro, mato e quem lhe seguir – doutor José Maria intercedeu:
-Não Hortêncio – o nome do pistoleiro gelou a maioria -, não é necessário usar arma de fogo, eu acredito no bom senso de todos – virando-se pra turma:
-Meus amigos, todos aqui me conhecem, não sou covarde, mas não gosto de injustiça, não quero ver uma gota de sangue derramada do parabelum de Hortêncio por causa de jogo e injustiça, mereceram perder pra ter malícia adiante - apontando para o forasteiro:
-Este rapaz foi debochado, mangado, chamado de trouxa de pixote e não levantou a voz. Ele não enganou, mas agiu profissionalmente, nós que fomos incautos e não percebemos que ele é um exímio jogador, desde Louro Rico. Louro não perdeu por falta de sorte, superstição boba de Sexta-feira 13, perdeu por não ter o mesmo padrão de jogo deste rapaz, aliá, aqui nesta cidade, ninguém joga igual, agora, os senhores querem ganhar apelando para ignorância, na força bruta, isto é falta de espírito esportivo, é não saber perder, isto é desonestidade!... – os agitadores baixaram a cabeça em assentimento, aí, ele pergunta o nome do rapaz:
-Walfrido Rodrigues dos Santos, mas todos me chamam de Carne Frita! – doutor José Maria voltou-se para plateia:
-Carne Frita, senhores, é o rei da sinuca, a lenda viva da mesa de pano verde, o homem que desbancou Rui Chapéu! –Todos bateram palmas, nascia um novo ídolo, do ódio à idolatria: Carne Frita!...
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 24/09/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr