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A face obscura do homem - Quem procura acha (Capítulo 23)

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Quem procura acha



Foi um dia estafante para doutor José Maria, antes das 8:00 horas sua secretária telefonava informando que o seu escritório tinha muita gente: vestiu às pressas a calça e o paletó, deu um nó na gravata e foi em jejum para o escritório, não quis nem uma xícara de café, por mais que dona Clô insistisse.
Não encontrou nada que não fosse corriqueiro: ajuizar novos processos, agilizar outros, soltar arruaceiros da cadeia, marcar data de júri, agendar audiências e ouvir novos clientes, porém, quem mais lhe tomou tempo foi o coronel Honório Ladaró, o homem não daria trégua à vida, enquanto não descobrisse quem foi o assassino de sua mulher.
A perícia encontrou dois cálices com restos de vinho “Château Hant Brion”, um cálice com veneno, noutro, o vinho estava puro, se deduzia que o assassino, antes de colocar o arsênico na garrafa, tinha enchido o seu cálice, além de confirmar a hipótese da polícia que Rita não tinha se suicidado, mas estava com alguém íntimo naquela noite, um amante? Não se sabe, suspeição...
Na saída do caixão, dona Clô fez uma pergunta ao padre Gaiardoni, ainda não respondida: “Padre, Château Hant Brion não é o seu vinho preferido?”, porém, o fato de se gostar de uma marca específica de vinho não significa que é indício para incriminar ninguém, quem é que não gosta desse vinho? A maioria que bebe, gosta. Além de qualquer inimigo não declarado do padre poderia ter usado o “Château Hant Brion” para incriminá-lo se soubesse do seu caso com Rita, principalmente ela, dona Clô, e aí, não seria somente um escândalo, mas dois escândalos de estragos irreparáveis na sociedade itabunense.
Embora doutor José Maria primasse pela profissão, no seu escritório era rigorosamente atendido pela ordem de chegada, mas quando deu de cara com o coronel Honório Ladaró, ficou sem jeito, quis fazê-lo exceção, não poderia ser diferente, pois eram amigos de noitadas no “Sport Bar”, vizinhos de fazenda, além de alimentar uma enorme admiração pela história do coronel que de trabalhador nas fazendas dos outros, tornou-se um dos maiores produtores de cacau do Sul da Bahia:
- Coronel ent... – não completou:
- Não, doutor José Maria, eu não tenho pressa... – não teve, foi o último, quando adentrou o gabinete do advogado, passava das 11: 00 h, cerimonioso, acomodou-se na poltrona:
- Doutor José Maria, eu vim lhe pedir um favor!...
- Estou às suas ordens Honório, mas antes, vamos tirar o “doutor”!
- Aqui, tenho que lhe tratar de “doutor”, lá no “Sport Bar” ou na fazenda, é José Maria!
- Estamos a sós, dispensemos o título, mas diga-me homem, em que posso lhe servir?
- Faz 6 meses que a “minha santinha” me deixou... – não completou, a voz ficou embargada.
- Hum!.. Hum!... Hum!... As más línguas andam dizendo que o coronel já tem outro pote na cantareira, e, que é uma belezoca de morena!... - brincou o advogado.
- José Maria – rompeu a formalidade –, eu posso lhe jurar que foi depois que “minha santinha” morreu. Realmente, é uma morena muito bonita, lecionava os meninos dos trabalhadores na fazenda sede. Não pensava tão cedo ter outra mulher, mas tenho três filhos pequenos, ela vai me ajudar na educação dos meus filhos, fiquei na casa do sem jeito como dizia o capitão Natário da Fonseca!
- Eu lhe conheço Honório, sei que você nunca mijou fora do caco, a não ser com as meninas de Helvécia, coisa sem importância, caixa de esperma... Mulher mesmo só dona Rita, sua amante e esposa. Mas, em que posso ser útil? O coronel não veio me pedir um favor?! – Honório desconversou:
- Cheguei aqui bem mocinho, trabalhei como um condenado na roça de cacau de muitos fazendeiros. Nos finais de semana, enquanto os outros camaradas iam beber e putear, eu ficava na fazenda lavando a minha roupa e preparando a carne de sol e jabá pra fazer o bornal com a comida do dia a dia. Economizei cada tostão e comprei o meu primeiro pedaço de terra. Derrubei mata, cabroquei, plantei cacau, matei muito cabra safado pra não morrer e os que queriam tomar minhas terras, hoje, eu sou um homem de posse, não sou rico, mas só descansarei em paz quando eu souber por que razão a “minha santinha” suicidou-se ou alguém a matou!
- Coronel, não seja modesto, o senhor é um dos homens mais ricos dos Sul da Bahia e quiçá do estado. Tem três filhos lindos para criar e uma mulher nova que lhe irá cuidar, não seria melhor deixar a finada esposa descansar em paz, onde estiver?
- Os amigos mais próximos têm a mesma opinião, porém, eu tenho opinião diferente, ela está no céu, eu que estou ardendo a mente aqui na terra, não tenho dormido direito, tenho que desvendar esse mistério: se ela foi envenenada ou suicidou-se!...
- Eu sei coronel. Não é fácil uma companheira de tantos anos, morrer misteriosamente... Deve ter havido um grande motivo ou foi uma crise de depressão, não notou algum comportamento estranho antes dela morrer?

- Não! Ela estava alegre, brincalhona com os filhos, com os empregados, comigo, enfim, de bem com a vida!...
- Bem... é um mistério... – e, acrescentou:
- Mas... mas... homem de Deus, qual o favor que lhe posso fazer?
- Nós sempre fomos amigos – o coronel Honório Ladaró, nunca ia direto ao assunto, voz mansa, enrodilhava como cobra a conversa, estudava as pessoas antes do “bote”, diziam os empregados que era um perfeito estrategista: descobria as fraquezas do inimigo ante de atacá-lo, quando alguém ia lhe vender uma fazenda, ele negaceava, recusava, fazia corpo mole, até o pobre diabo lhe vender a propriedade por menos do valor -, somos vizinhos em várias fazendas, nunca pegamos a mesma quenga por respeito mútuo, confio na sua inteligência, daria a metade do que tenho pra ter o seu saber... – foi interrompido:
- O coronel só me traiu com “Zarolha” ah, ah, ah!...
- Naquela época não éramos amigos!
- Desculpe-me coronel, foi uma brincadeira!
- Não tem importância... – continuou:
- Pois é, José Maria, eu vim lhe pedir pra junto com os seus amigos polícias, a morte de Rita seja esclarecida logo!
- Coronel, eles estão bem adiantados na investigação, mas são movidos por interesses não confessáveis, além disto, trabalham, ao mesmo tempo, em vários casos. Eu tenho um colega que é detetive particular, um ás na profissão, possui todos os recursos modernos da profissão, mas é caro e mora em Salvador!
- José Maria mande buscá-lo, contrate o homem e não poupe dinheiro e se houve assassino, seria melhor que a mãe dele o tivesse abortado antes de nascer!
- Somos amigos na alegria e seremos mais ainda na dor, prometo-lhe que Pedro Marques, o detetive, não irá me faltar!...
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 24/09/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr