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A face obscura do homem - Triunvirato (Capítulo 18)

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Triunvirato


Caro leitor, não fique assustado, não é o triunvirato de Júlio César, Marco Licínio Crasso e Pompeu, o primeiro triunvirato romano, o triunvirato aqui, da nossa história, não foi triunvirato, foi triângulo amoroso de Apolinário Gaiardoni, Clô e Rita. O título triunvirato veio à mente pelos perfis aguerridos dos três personagens. Apolinário e Clô são velhos conhecidos, Rita precisou ser flagrada nos braços do padre para entrar na história e não mais sair.
A sacristia não ficava nos fundos da igreja, mas numa casa contígua que servia de moradia para o padre e sacristia ao mesmo tempo, uma porta lateral dava para o salão da igreja. Lá, ficavam as toalhas do altar, algumas imagens, as batinas, os vasos de flores e outros acessórios. O acesso era limitadíssimo, afora Clô, Rita e mais duas ou três velhas beatas, tinham acesso.
Naquela manhã, a mulher de José Maria, como sempre, foi uma das primeiras que chegou à igreja, depois de meia dúzia de decrépitas senhoras, deu uma olhada e não viu o padre para o canto de entrada. Sorrateira, entrou na casa do padre sem ser convidada ou esperada e quase vinha abaixo se não se agarrasse numa mesa de jacarandá no centro da sala, ao flagrar sua amiga Rita, esposa do temido coronel do cacau, Honório Ladaró, nos braços de Apolinário Gaiardoni. Na casa do sem jeito (escandalizar, seria escandalizar-se), manhosamente, voltou e aguardou o sacerdote começar o culto.
Rita, loira de cabelo comprido escorrido, altura mediana, corpo violão, mãe de três filhos menores de idade, mais nova que Clô, meiga, era a mulher, o xodó e o bem-querer do fazendeiro Honório Ladaró. Chamava-a de “minha santinha”. Homem rude, moço ainda, que fez fortuna no cabo do facão e do machado, derrubando mata virgem e plantando cacau, capaz de amar e odiar ao mesmo tempo, não hesitaria matar a mulher amada se soubesse que era traído e arrancar os bagos do malfeitor.
Se a situação lhe fosse favorável, Clô não hesitaria ter escrito uma carta anônima para Honório Ladaró, denunciando a traição de sua mulher e o traidor, por isto, usou o ditado do povo que “prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”, mexer com um sacerdote, naquela época, seria a mesma coisa que mexer num vespeiro de resultados imprevistos: vai lá que o brutamonte do fazendeiro mata a mulher e o amante, e, a policia descobre que sua carta foi a causa do crime!? Não, não seria tão imprudente...
Não é verdade que a mulher é sexo frágil, mulher não é instintiva, mulher é racional, ela domina suas emoções e controla o homem que é impulsivo e descontrolado quando se apaixona... Depois do flagrante de Rita, Clô fechou as portas e o coração para Apolinário. Não o recebia mais sozinha em sua casa, os empregados eram orientados não recebê-lo (inventassem desculpas...), salvo, se os seus filhos e o marido estivessem presentes, ia à missa no inicio do horário e voltava depois dos ritos finais e deixou as obrigações da igreja alegando saúde fragilizada.
Apolinário, sagaz, maquiavélico, quis lhe chantagear, contar tudo ao seu marido, depois, deixar Itabuna pela porta do fundo e desaparecer para sempre, mas Clô, de repente, mostrou-se determinada e valente:
- O senhor será o responsável pelas consequências!...
- Mas, querida...
- Não sou sua querida!
- Mas, Clô!...
- Por favor, “dona” Clô!... – o padre apelou:
- Depois de tudo, Clô!?
- Depois de tudo, o quê!? O passado seria presente para mim se houvesse significado, portanto, reverendo, o passado passou!
- Será que passou para Dr. José Maria?...
- Não! Acredito que para Dr. José Maria e o coronel Honório Ladaró, o passado será um presente sinistro e fúnebre!...
- Não tenho medo de morrer!
- Triste daquele que ferir o coração do coronel Ladaró, a morte lhe será um bálsamo...
- Não sou culpado de sua mulher me assediar!
- Não sei se terá topete para lhe dizer que Rita foi a culpada, mas se lhe disser, pode ter certeza, o senhor será amarrado e arrastado pelo cavalo do coronel Honório Ladaró até suplicar para que ele lhe dê cabo da vida! – completou:
- Não mais me procure, não frequente como antes minha casa, escolha o momento que o meu marido e os meus filhos estejam presentes, faça da discrição uma segunda natureza... Irei esforçar-me para manter a aparência, espero que a recíproca seja a mesma. Passe bem!...
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 23/09/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr