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A face obscura do homem - A família é a identidade do homem (Capítulo 15)

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A família é a identidade do homem

Crescia mais e mais a intimidade de Apolinário Gaiardoni na casa do advogado José Maria Alves Andrada. Intimidade com o dono da casa, com os filhos e muito com dona Clô, a dona da casa. O padre sentia-se à vontade, cada vez mais. As conversas, o bate-papo, os saraus literários, às vezes, passavam de meia noite.
Apolinário Gaiardoni tinha um bom papo, era um estudioso das ciências humanas, discorria com desenvoltura o conhecimento da época, porém, de quando em vez, claudicava nas exegeses bíblicas e era evasivo quando o assunto era sua família. Clô debitava suas falhas na conta dos muitos afazeres da paróquia.
Porém, José Maria, perspicaz, matreiro, desconfiava que houvesse algo mais além do que cansaço do padre. Se o padre claudicasse num ou noutro texto bíblico, seria irrelevante, mas era de costume ele se enrolar quando o advogado, estudioso da Bíblia e de ideias racionais, se aprofundava nas argumentações, várias vezes, era salvo no gongo por dona Clô:
- Meu filho, a Bíblia tem muitos livros e não é necessário sabê-los de cor. Além disto, a prática do Evangelho exige sabedoria e não profundo conhecimento filosófico! – José Maria não concordava, mas por educação, calava-se.
Gaiardoni, também, era econômico quando falava sobre sua família. Media cada palavra, falava “an passant”, o máximo que se arrancou dele, é que os seus pais eram alemães, tinha mais dois irmãos, um homem e uma mulher e que era catarinense da cidade de Joinville, Santa Catarina.
O arguto José Maria achava que o padre escondia algum segredo, procurava atinar o que era, quando chegava perto, Apolinário Gaiardoni resvalava, porém, era como se fosse o gato que se esconde e deixa o rabo de fora: seus deslizes sobre a Bíblia, as informações imprecisas da família, uma carta recente ou a visita dos pais ou irmãos... eram elos que não se fechavam na cabeça do advogado.
Às vezes, queria cutucar o passado do padre, todavia, era contido pela discrição e dona Clô, mas, um dia, marcou um tento significativo:
- Padre tu és de origem alemã e tem nome italiano!? – Apolinário gaguejou, Clô chegou na hora agá!...
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 23/09/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr