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A face obscura do homem - Fazenda Invernada (Capítulo 14)

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Fazenda Invernada

Ficava pra o lado de Itapé, hoje, deve ter outro nome desde que foi vendida pelos herdeiros de José Maria. Uma fazenda mista, mais cacau do que pasto. O nome “Fazenda Invernada” foi dado por dona Clô, ela havia feito uma viagem ao Rio Grande do Sul e lá conheceu as invernadas para criação de gado.
O rio Cachoeira cortava ao meio a fazenda Invernada, águas limpas, naquela época, o rio não era o repositório de esgotos das cidades que nasceram em suas margens. Dona Clô adorava a invernada por vários motivos, mas o principal, é que a fazenda não ficava muito distante de Itabuna. Ela, Talita, Samuel e Júnior se esbaldavam nas águas do rio Cachoeira, em alguns pontos do rio, as margens eram cobertas por um areal que pareciam as praias de Ilhéus.
Depois que José Maria adquiriu a Invernada, ninguém mais ousou derrubar um pé de pau, ele entendia, já naquela época, que o desmatamento desequilibraria o ecossistema, por isto, não aumentou os pastos, incrementou os currais de confinamento do gado e aumentou de cacaueiros nos boqueirões, portanto, as matas virgens eram o principal patrimônio da Invernada.
Um ano antes de sua morte, José Maria escolheu a Invernada para passar o São João. Era costume, nessas datas festivas, ele e a família irem para uma das fazendas mais próxima, depois que ele adquiriu a Invernada, ela era a eleita, pois era a fazenda que mais atrativo oferecia aos filhos e a dona Clô, porém, no ano 2007, ela apresentou alguns pretextos que até os seus filhos, também, preferiram não acompanhar o pai.
José Maria gostava de gente, gostava de companhia, com a recusa da esposa em acompanhá-lo, decidiu pela primeira vez, levar sua amante Lia e o seu filho Pedrinho. Embora os agregados da casa grande, os caipiras e suas caboclas não fossem muito devotos de dona Clô, ficaram arredios num primeiro momento, com a presença de Lia e do seu filho, mas pouco e pouco foram se soltando e menos de uma semana depois, Lia extrovertida e simpática, virou beiju de feira, era dona Lia pra lá e pra cá, enfim, conquistou do menino ao menos menino e ao velho, da garota à mulher madura, todos sem exceção, as mulheres mais moças substituíram “dona Lia” por Lia, numa relação de velha intimidade.
Pedrinho, ainda pimpolho, foi o que mais gozou com as férias. Acostumado com o pai só dentro do bangalô, esporadicamente, dava uma volta pela cidade de carro, no colo do pai, estava deslumbrado, pra ele, tudo era novo, tudo era bonito, e não se cansava de cobrar de José Maria outros passeios:
- Ah, painho, por que nunca trouxe mamãe aqui?
- Filhinho, no outro São João, nós viremos pra cá!...
- Tá longe, painho?
- No próximo ano! – Pedrinho, recorre à Lia:
- Mãezinha, um ano é longe?
- Não, Pedrinho, logo passa... – Pedrinho teve outra ideia:
- Por que não moramos na fazenda?
- Se esqueceu dos seus avós, Pedrinho?! – Lia já irritada.
- Painho traz meus voinhos... – Lia pede socorro a José Maria:
- Meu amor, acuda-me!...
- Filhinho, painho vai trazer vovô e vovó pra aqui e vamos todos morar na fazenda!...
Com o jeitinho de José Maria, Pedrinho se conformou, não mais voltou ao assunto, talvez, porque confiasse demais no seu pai que lhe fazia todos os gostos e mimos. Assim que Pedrinho nasceu, uma das primeiras coisas que José Maria fez, foi providenciar o seu reconhecimento em cartório, se alguém quisesse conquistar sua amizade e sua proteção, tivesse afeto espontâneo por Pedrinho e paparicasse sua mãe, os vizinhos de Lia descobriram esse lado fraco do advogado e todos se esforçavam cair em sua graça...
Porém, um ano depois, o destino conspirou contra o pai e o filho, não houve outro São João na fazenda, ele foi morar muito longe tangido por um inimigo de ódio, que a polícia mostrou-se incapaz, por algum tempo, em descobrir o criminoso, todavia, deixou para Pedrinho uma irmãzinha, a Maria Eduarda, gerada da paixão desvairada de um homem por uma mulher e correspondido, não por uma paixão, sentimento impulsivo e perigoso, mas pelo amor ágape de uma mulher, que não era sua esposa no papel, mas que chorou a morte do seu amásio até o fim dos seus dias e não descansou enquanto não o vingou...
Naqueles dias, tomar banho no rio Cachoeira, montar a cavalo com Pedrinho e mil brincadeiras, arrastar o pé no forró com Lia, ser ungido na língua nagô pelo preto velho da fazenda e tirar leite no úbere da vaca, ao canto do galo, deixaram, decerto, José Maria feliz.
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 23/09/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr