Textos


A face obscura do homem - O almoço (Capítulo 4)

4

O almoço


Alguma coisa existia que Dr. José Maria não sabia explicar a antipatia gratuita que sentia pelo padre Apolinário Gaiardoni. Se acreditasse em espiritismo, diria que havia ficado algo pendente entre ele e o sacerdote na outra encarnação, mas era muito racional para acreditar em história da carochinha, acreditar naquilo que não tem sustentação lógica e questionava-se: “onde já se viu ter que morrer pra ficar melhor?”, coisa de Alan Kardec e seus seguidores.
Ele atribuía à mente, “as manifestações mediúnicas”, pessoas com grande capacidade de concentração energética, capazes de gerar fenômenos inexplicáveis, que o leigo acha ser gente do outro mundo, mas que a ciência classifica, apenas, como fenômenos paranormais.
Por isso, não sabia explicar a repulsa que sentia pelo sacerdote, talvez fosse sua empáfia, sua auto-suficiência agressiva, sua ostentação intelectual, sua altivez inteligente, o dono da verdade...
Gostava mesmo era do seu antecessor, que embora fosse um homem de cultura excepcional, cultivava a humildade e a compreensão. Em seus muitos anos de pároco, o padre Mário jamais se envolveu em fuxico ou foi alvo de conversas desairosas e maledicência dos seus fiéis, se não fosse a idade e a saúde em particular, não teria sido substituído. Não usava o cargo nem a autoridade religiosa para usufruir benesses, se locupletar, embora sempre limpo, suas vestes eram surradas pelo tempo, luxo só uma bengala com cabo de marfim que ganhou de dona Clô no seu aniversário e, depois de muita insistência.
Apolinário Gaiardoni já se tornara íntimo da família Andrada, começou com dona Clô, ganhou a confiança dos filhos e esmaeceu no dono da casa, mas de acordo a sabedoria popular que diz: “quem beija a boca do meu filho, deixa a minha adocicada”, o Dr. José Maria foi cedendo e o padre foi impondo sua presença, seus conselhos, enfim, indispensável para família do advogado, os almoços e os jantares com o padre viraram rotina, dispensava convite, Dr. José Maria aproveitava para exprimir suas convicções religiosas e o que pensava do cristianismo, principalmente, cutucar a religião católica e por extensão, o padre Apolinário Gaiardoni:
- Padre, o celibato não é empecilho para que os jovens procurem o caminho do seminário?
- O homem solteiro está mais disponível para as coisas da igreja!
- E, mais disponível para fornicações...
- O trigo supera o joio... A igreja tem sido dura com os desvios dos seus sacerdotes!
- Nem tanto, o padre N., por exemplo, tem uma concubina e filhos e não deixou de celebrar suas missas...
- O padre N. pediu licença, mas o processo ainda se arrasta na burocracia do Vaticano! – justificou.
- Burocracia ou omissão!?
- Eu prefiro acreditar em “burocracia”, é grande a distância entre o Brasil e a Itália, além de milhares de processos que a Santa Sé tem para analisar! – dona Clô toma parte:
-Meu filho, a igreja não pode ser responsável pelos desvios dos seus membros, a carne é fraca...
- Eu sei. Mas, de acordo Bíblia, o homem nasce no pecado desde Adão e Eva, eu falo da demora do Vaticano responsabilizar os seus membros e execra com rapidez quem lhe é contra! – dona Clô muda de assunto:
- O nosso querido padre Apolinário quer conhecer uma fazenda de cacau – virando-se:
- Não é, padre?
- Sim. Mas, a decisão é do seu digníssimo esposo!
- Viajarei para “Ouro Achado” amanhã, se quiser vir comigo...
- Aceito o convite. – acrescenta:
- Sou catarinense e filho de alemães. Lá em Santa Catarina, de cacau só os doces de chocolate e os ovos de Páscoa. Quero conhecer a fruta e o cacaueiro! – enquanto o padre falava, dona Clô apressava as cozinheiras:
- Vamos meninas, estamos morrendo de fome!...
Não demorou muito, o almoço começou e Dr. José Maria se conteve, a circunstância lhe exigia prudência e educação, além disto, não queria desagradar dona Clô, extravasaria sua cisma no “Sport Bar”, com Maria José, na pista de dança, nada melhor do que um dia após o outro, bronca é arma de trouxa...

 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 16/09/2012


Comentários


Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr