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A face obscura do homem - Cinco anos antes (Capítulo 2)
 
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Cinco anos antes


Em 19 de março de 1953, Itabuna estava engalanada para receber o novo pároco. Havia uma grande expectativa dos cidadãos católicos (maioria absoluta, naquela época), todos ansiavam mudanças nos destinos da igreja de São José, padroeiro da cidade. O antigo pároco, velho e esclerosado, foi recolhido ao mosteiro Beneditino de Salvador, para descansar e morrer em paz. Essa mudança decorreu por interferência do prefeito e outros líderes políticos, de coordenadores e vice-coordenadores de grupos religiosos e dos movimentos comunitários, enfim, da sociedade civil e religiosa da cidade.
Às 16 horas, todos preocupados com o atraso do novo pároco - previsto para o início da tarde -, um automóvel pára de repente na frente da igreja, para alívio das beatas e satisfação dos demais, é que logo se reconheceu pelo solidéu, a figura impoluta de Dom João Santos da Silva, bispo da diocese de Ilhéus com jurisdição no Sul e extremo Sul da Bahia.
A igreja estava repleta, gente se apinhava por todos os lados, o bispo e mais três padres entraram na nave em fila indiana, ninguém ainda sabia quem seria o pároco, porém, um deles chamou a atenção pelo porte e pelo jeito europeu: alto, branco, cabelos loiros e olhos azuis e não tinha mais de 35 anos de idade, soube-se depois que se chamava Apolinário Gaiardoni, o novo pároco.
O padre Apolinário Gaiardoni além de bonito, ele era um exímio orador, com recursos retóricos brilhantes, mas conservador demais para sua idade (os mais esclarecidos esperavam um discurso com menos fanatismo e mais progressista), todavia, a assembleia atribuiu o radicalismo exegético do novo padre ao desejo de agradar o bispo que se encontrava presente.
Ele usou o “diabo” e o “inferno” para “punir” maus católicos, àquelas pessoas que se afastavam da igreja, de sua religião de nascimento, religião dos seus pais e dos avôs, religião do papa, sucessor de São Pedro, e, recorriam às bruxarias e às seitas protestantes, com cenas tão dantescas e convincentes, que sua retórica sobrepujou o falso conteúdo.
Dona Clô, toda serelepe, não se cansou de ajudar para que tudo ocorresse nos conformes: arrumação da sacristia, flores nos vasos, tolha de mesa, limpeza das imagens e faixas de boas vindas ao novo pároco. Embora tivesse fama do sovina, nas coisas de sua igreja, ela não poupava tempo nem dinheiro, dois meses antes da posse do novo pároco, Dr. José Maria teve que despender alguns recursos no retelhamento, na pintura e nos retoques de pedreiro para que a igreja estivesse pronta para o tão aguardado acontecimento.
Dr. José Maria não era herege nem beato, tinha sua maneira de acreditar em Deus, nutria por Jesus Cristo grande respeito histórico, herdara dos pais o gosto pelo trabalho e o faro para os bons negócios, exercia também a profissão de advogado criminalista, ultimamente, andava meio desleixado com suas causas, os seus negócios o absorviam, frequentava a igreja católica mais por insistência da mulher do que movido pela fé. Ele era um homem bem informado, leitor de bons livros, gostava de poesia sem descuido das ciências jurídicas, cultivava como ninguém os textos filosóficos e a biografia dos seus autores.
No dia da posse do novo pároco Dr. José Maria se vestiu com esmero, encomendou um terno novo ao seu compadre Juca, pois os outros estavam surrados das lides forenses, não queria ir, achava as homilias chatas e repetitivas, costumava dizer com humor para uma coisa por demais conhecida: “... igual missa de padre”, porém, dona Clô, mostrou-lhe a importância do evento: a substituição de um pároco velho, que havia batizado os seus filhos, por um padre de ideias novas de “sangue nas veias” que certamente, iria dar um novo impulso na igreja de São José, o pai de Jesus Cristo e o padroeiro da cidade.
A posse do novo pároco foi um sucesso, dona Clô leu uma mensagem de boas vindas ao novo pároco, representando todos os grupos, foi bastante diplomática: generosa com o pároco que saiu (problemas de saúde e merecido descanso), e, esperançosa com os novos rumos que o novo padre iria imprimir na paróquia. Valorizou no seu discurso o trabalho e a união de todos os membros da paróquia, que não mediam esforços nem tempo para que tudo ocorresse de acordo o calendário planejado anualmente. E, findou tecendo rasgados elogios ao seu marido que como rei Salomão construiu o Templo de Jerusalém, ele havia feito com os seus recursos, uma reforma no prédio da igreja que duraria para sempre.
Dr. José Maria estranhou a mania de grandeza da esposa, a comparação do seu feito com a magnificência do Templo de Salomão, mas atribuiu o arroubo de dona Clô à importância histórica do momento. Nada é para sempre nem mesmo o legado deixado pelo filho de David e protegido de Jeová e do profeta Natã
 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 14/09/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr