Textos


Zé Fininho

Zé Fininho
R. Santana


1

Tudo nele era incoerente. O apodo “fininho” para expressar magrinho não condizia com o seu corpanzil. Chamavam-no de Zé, mas o seu prenome era Lourival. Era negociante por vocação, pedreiro de suas obras e político nas horas vagas. Não era letrado, mas tinha o dom da palavra e uma lógica que dava inveja, porém, a marca principal de Zé Fininho era o seu otimismo.
Zé Fininho não falava de doença, de miséria, de tristeza, de falta de dinheiro, todavia, se esbaldava e fazia rir os amigos com o seu papo de riqueza, de fartura, de grandeza, mesmo que lhe faltasse níquel no bolso. Não era estróina, também, não era mão-fechada, se alguém batesse em sua porta por necessidade, não saía sem a solução parcial ou total do problema.
Conta-se que certa feita, na saída de um consultório médico, amparado por um amigo de tão alquebrado que estava de uma infecção intestinal, encontrou um conhecido indiscreto que lhe observou:
-Zé Fininho você está mau!...
-Eu, Sinfrônio? Acho que quem está mau aqui é você! – o pobre do homem ficou sem graça...
Zé Fininho não gostava de baixo-astral.


2


Quando eu o conheci, ele era um homem maduro, porém, longe da meia idade, teria tido muito gás pra queimar se uma síncope repentina e fatal não o tivesse levado pra o buraco aos 53 anos de vida.
Um guloso das boas e péssimas iguarias – comida boa é fome -, não dispensava nenhum prato feito D. Marta, sua mulher, fosse um estrogonofe ou uma buchada, uma feijoada, um sarapatel, qualquer hora do dia ou da noite. D. Marta costumava dizer: “este homem tem estômago de avestruz”, pois ele comia até sapo cururu cozido e apimentado se botasse à mesa.
Não menos que a gulodice era a sua disposição para o trabalho. Não deixava o trabalho para depois – guarda-se o que comer não o que fazer - , não se queixava nunca que estava cansado de trabalhar e quando a mulher o admoestava para que ele descansasse, dizia:
-Terei a morte como descanso.
Não falava mal do açougueiro, do bodegueiro, do feirante, do negro, do pastor, do bispo ou do papa, mas tinha uma leve ojeriza e cisma ao índio, achava-o preguiçoso e traiçoeiro.


3


Tinha a política no sangue, quando empunhava uma bandeira, empunhava-a com desprendimento e paixão. Não gostava de discutir pessoas, mas idéias e práticas administrativas. E, forçado por algum adversário político, apontar os erros de A ou de B, ele deixava-o falando sozinho, sua divisa era:
-Religião, política e mulher não se discutem, se abraça...
Não fazia política para auferir vantagens pessoais, fazia política pela simpatia do candidato e pela sua vida pregressa.
Tinha um raciocínio lógico e contundente, numa peleja política, apontava as necessidades da cidade e as impossibilidades administrativas do candidato adversário.


4

A fanfarronice de Zé Fininho e o seu bom-astral se não contribuíram para o seu sucesso financeiro, porém, foram fundamentais para que ele amealhasse um bom patrimônio e deixasse-o para os seus entes queridos.
Zé de tanto falar em gado, em fazenda, em cacau, em terras, alguns anos antes de morrer, adquiriu, terras, cacau e gado.


5


Numa segunda-feira, do mês de abril do ano 2000, morre aos 55 anos de vida, em sua cama e em seu quarto, às 14 horas daquele dia, Lourival Santiago, conhecido pelos amigos e não amigos por Zé Fininho.
Foi uma morte inesperada. Zé não era chegado às doenças. Embora já tivesse ultrapassado à meia idade, era forte como um touro e manso como um carneiro. Não houve tempo de levá-lo ao hospital, quando o socorro chegou, Zé já estava no além-mundo, sem retorno.
Os fofoqueiros da vida alheia espalharam que Zé Fininho tinha comido um cozido de carne de boi, verduras e pirão e logo depois tinha ido apagar o fogo libidinoso de D. Marta, para fazer jus à verdade, era uma mulheraça, um pancadão, despertava o desejo do mais tímido franciscano.
Os não-fofoqueiros alegavam que não tinha havido sexo, mas que Zé Fininho teria sido imprudente em tirar uma sesta com a comida ainda fumegando no estômago e tinha tido uma congestão mortal.
O doutor-legista assinou o papel de um infarto fulminante, sem chance de socorro.
No entanto, o doutor-povo jurava por Hipócrates que a causa morte tinha sido mesmo D. Marta, Zé Fininho não era homem de sesta!...
Hoje, é de somenos importância saber quem estava certo: o médico, os fofoqueiros ou os não fofoqueiros, o povo, mas o importante agora, é aprender as lições de vida que Zé Fininho deixou.
Uma coisa é certa: ele morreu feliz e era uma boa pessoa, pois somente os bons são chamados cedo lá pra cima.
Sua herança se resume nas lições de otimismo, de alegria, de bom caráter e filosofia de vida que passou para os seus parentes, amigos e não-amigos.
Na sua lápide, os amigos eternizaram sua memória com a inscrição:

“Jaz aqui um homem que tinha como divisa o otimismo e transformava o infortúnio em fortuna”.



Autor: Rilvan Batista de Santana
Gênero: Conto
 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 17/08/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr