Textos


O Destino - R. Santana

          Eu e meu amigo André estávamos desocupados neste final de semana e resolvemos filosofar sobre os últimos acontecimentos de nossas vidas. Como nossas vidas não têm sido um mar de rosas, primeiro, começamos culpar os nossos pais por terem se conhecidos e ter-nos colocados no mundo; em seguida, nossas mulheres, nossos ex-patrões e os atuais, os parentes e os aderentes, Cristo, os santos dos céus, Deus e finalmente, chegamos ao verdadeiro autor de nossos infortúnios: o destino.
          - Artur, quem tem sorte, mora em cima do morro, cria galinha embaixo e os ovos saem rolando morro acima na hora do almoço! – André estava uma fera, nos últimos tempos, tudo que fazia certo dava errado. Se jogava na vaca dava touro, se jogava na sena os números saiam na quina. Se alguém lhe chamava para almoçar, a comida estava insossa ou salgada.
          - André, quando urubu está de azar o de baixo caga no de cima... Quem tem sorte é como Elias, chegou atrasado para viajar no avião que caiu matando todos passageiros. Isso André, é que é sujeito de estrela... E os negócios dele? Cada vez mais rico!...
          - A minha estrela Artur é no... toda vez que eu dou um traque, ela apaga!... Elias nasceu com aquilo pra lua: casou-se com mulher rica, filha única, jovem e linda. Também, tem uma coisa Artur, nem tudo na vida é perfeito, você sabia que é um baita corno de goteira?
          - Ah!!!... Que é corno de goteira André? Você tem cada uma...
          - Corno de goteira é o camarada que espera, pacientemente, a chuva caindo, embaixo do alpendre de sua casa, o amante de sua mulher sair pra ele entrar.
          - Bem, não sei se teria estômago para tanto!... Lá em casa, eu coloco minha mão no fogo...
          - Cuidado para não se queimar Artur!...
       - Você endoidou seu filho de uma ronca e fuça?... Minha mulher seria incapaz de me trair! – Estou brincando, irmão!... – E, assim, continuamos o tempo todo, discutindo os nossos desígnios e os desígnios doutras pessoas. André mais falante, continuou:
          - Veja a história do presidente da República: saiu do sertão de Pernambuco em cima dum pau-de-arara, não tem diploma de curso superior, cortou o dedo num torno-mecânico, cedo se aposentou. Fundou partido político e duas vezes presidente com mais da metade dos votos válidos do país.
          – André, eu acredito muito na força do trabalho. Thomas Édson, inventor da lâmpada elétrica, dizia que seus inventos eram frutos da transpiração e não da inspiração. Se você trabalha com determinação, estabelecendo e perseguindo metas, o sucesso tarda, mas, chega. Não existe sorte nem azar, tudo depende como se age na vida. Deus deixou escrito: “faz que te ajudarei”. Conta-se que um rapaz ambicioso escreveu na parede do seu quarto em todos os lados: ”eu sou o dinheiro”. Com a força deste pensamento, morreu muito rico.
          - Artur, isso é conto da carochinha! Quantas pessoas se matam de trabalhar, direitas e morrem cavando? Não acredito nisso, acho que quando aqui chegamos tudo lá no céu já está escrito. É como diz o povo: “quem nasceu pra tatu morre cavando”.
          - Meu amigo André, você é muito fatalista! Um filósofo que me esqueci do nome agora, afirmou que quando o homem nasce é uma “tabula rasa”, uma folha de papel em branco, ele vai escrevendo e construindo o seu destino. Ele era contra as idéias deterministas, sustentava que Deus tinha deixado o livre arbítrio para o homem, às vezes, o homem é que não sabe usar a opção certa.
          - Artur, eu não sou uma Maria vai com as outras! Eu sou prático, leio no livro da vida e nas páginas da experiência. Quem nasce pra centavo não ganha real. Quantos triunfam pela sorte e não pelo mérito? Você é um exemplo. Trabalhador, inteligente, mas, vai morrer pobre e esquecido.
          - André, nem sempre a fama e a fortuna lhe trazem paz! Já leu alguma coisa sobre Diógenes? – Não! – Vou tentar resumir duas passagens históricas e interessantes desse homem desprendido:
          - Alexandre, o Grande, general de todos os exércitos, comparado somente a Napoleão, na presença de espírito e nos atos de bravura e conquista, certo dia parou diante de Diógenes que tomava seu banho de sol e perguntou-lhe:
          - Que tu desejas do maior Conquistador da História?
          – General, eu não quero que tu me tires aquilo que tu não podes me dar... É que Alexandre tinha-lhe feito sombra e impedido dele receber os seus raios solares matinais.
          - Doutra feita, ele presenciou um trabalhador rural fazer das mãos uma concha para beber água. Diógenes que usava uma concha em seus apetrechos disse: - Aprendi, hoje, com um homem simples que nem de cuia eu preciso. – E jogou a cuia fora.
          - É isso aí meu amigo André! O homem pra viver precisa de pouca coisa além de sua inteligência. A civilização e o progresso fizeram do homem um ser dependente, limitado e refém do mundo que construiu.
          - Você poderia ter sido um advogado! Seu discurso deixa a gente desarmado, confuso. Porém, já lhe conheço e sei que é conversa para boi dormir. No livro é uma coisa, mas no dia-a-dia as coisas são diferentes.
          - Não é necessário elogiar-me para discordar. Se tivéssemos um destino predeterminado, não seriam verdadeiras as promessas de Deus quando fala do livre arbítrio, da escolha do bem e do mal. Ainda incentiva o homem: “faz que te ajudarei”.
          - Meu amigo Artur, eu não tenho condições de discutir filigranas da filosofia e da fé. Eu falo das minhas experiências pessoais e das minhas observações cotidianas.
          - André, você é inteligente! Podo ter cultura limitada mas não é estúpido, sabe discernir o livre arbítrio e fatalidade.
          - Meu amigo o papo está bom, mas, eu vou almoçar. Saco vazio não se põe em pé, tchau!
          - Tchau!...

Autor: Rilvan Batista de Santana 
Licnnça: Creative Commons





 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 01/08/2012
Alterado em 15/01/2023


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr