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Agostino Benedetto

Agostino Benedetto
R. Santana



Leitor amigo, eu não poderia furtar-me de te contar esta história. Às vezes, tu pensas que fabricamos histórias do nada, que nós contadores de causos, os inventamos, não é verdade, todavia, tendes razão quando dizes que quem conta um conto aumenta um ponto ou que todas as histórias já foram contadas, mas, nós escrevinhadores, somos mordidos por um bichinho escritor que nos empurra para o papel para escrever uma nova história ou contar uma nova história velha.
Agostino Rossetti Amadio era o seu nome, mas todos conheciam-no como “Agostino”, para aqueles que têm dificuldade com a língua chamavam-no: “Agostinho”.
Quando o conheci, ele já era um homem de meia idade, porém, o seu bom humor e a sua perene alegria não lhe davam marcas de expressão carrancuda, com rugas faciais, cara emburrada, não, não era o jeito de ser de Agostino, ele era vida, vida feliz, alegria, não alimentava tristeza e se os céus caíam em sua cabeça, fazia do seu infortúnio uma lição de vida. Não tinha a resignação de Jó, mas herdara de Jó a paciência para solução dos seus problemas existenciais.
Não se sabia muito de sua vida passada, o pouco que se sabia é que era de origem italiana e nascido no interior de São Paulo. Quando algum abelhudo da vida alheia futucava o seu passado, ele jocosamente se saía, deixando o impertinente deslocado:
-Meu filho, você é padre ou juiz?... – dava uma sonora gargalhada sem esperar resposta.
Ele não fumava e quase que não bebia, salvo, dois dedos de jurubeba na hora do almoço para “abrir o apetite” e “desintoxicar o fígado”, justificava. Comia nos restaurantes da vida, não tinha mulher, nem filhos. Costumava sacar no bolso do paletó uma maça enrolada num papel pardo e da cinta um canivete e fazia o seu breakfast matutino, não gostava de café. À noite, gabava-se não dormir sem antes comer um gostoso cuscuz embebido no leite e uns tacos fritos de charque ou carne cozida.
Agostino não possuía inimigo, também, não cultivava amizades especiais, todos eram seus amigos, ele gostava do enxame das ruas, dois dedos de prosa no botequim da esquina, mas gostava demais da solidão de sua casa e afora uma negra velha que cuidava da faxina de sua casa de quando em vez, nenhuma outra alma vivente o visitava.
Sobrevivia como aposentado, porém, suas constantes idas e vindas à capital baiana, intrigavam-no...
“Agostinho” para os mais simples, não tinha lustre intelectual, mas transbordava em perspicácia e sabedoria, guardo ainda hoje, os seus ditos: “quem moço não morre, velho não escapa”; “a corda só quebra no lugar mais fraco”; “o que seria dos sabidos se não fossem os bestas”; “amor é uma flor rocha que nasce na cabeça do trouxa”; “comida boa é fome”; “quem Deus prometeu vintém não dá dez-réis”; “mulher de amigo meu é homem”; “quem nasceu pra tatu, morre cavando”; “mulher feia sossega marido” etc. Agostino não era o autor intelectual destes aforismos, mas dizia-os com precisão e oportunidade.
Quando faleceu no ano de 1989, lúcido, porém debilitado pela idade, deixou todos boquiabertos, é que o velho Agostino Benedetto era dono de uma formidável fortuna em títulos de capitalização fixa, poupança, vários imóveis de aluguel na cidade de Salvador e no interior do estado, geridos pela imobiliária W&Silva, condicionada deixá-lo anônimo.
A surpresa e o espanto cederam à admiração e ao mito, pois o velho Agostino Benedetto, muitos anos antes de morrer, tinha alienado os seus bens à Fundação Beatrice Gaia Rossetti Amadio – BGRA.
Conhecia como ninguém a alma humana, suas vicissitudes e suas qualidades, por isto, sua fundação foi criada quase nos moldes da Fundação Nobel, do sueco Alfred Nobel: suas receitas premiam anualmente, os cinco projetos sociais do estado de mais desenvoltura, avalizados por expertos analistas sociais.
O desprendimento, o estoicismo, a simplicidade, o anonimato e a solidariedade, representam o maior legado de Agostino Benedetto, sua fundação, hoje, representa um grão de areia num mar de necessidades, mas o seu exemplo é perene.
Enfim, leitor amigo, não é um conto da carochinha, é uma história parecida com tantas outras, para mim, ela é mais significativa, eu o conheci e estou gozando do privilégio de lhe contar.


Autor: Rilvan Batista de Santana
Gênero: conto.

 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 23/07/2012
Alterado em 03/08/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr