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                                                                           A volta
                                                                                R. Santana

             Não existe nada mais gostoso do que a volta ao lugar que nascemos, crescemos e demos os primeiros passos. Parece que o umbigo fica ligado à terra por uma placenta perene e invisível. O cheiro da terra aonde engatinhamos e pisamos pela primeira vez, fica armazenado em nossa memória e ao primeiro estalido, ao primeiro contato, todas lembranças voltam à tona. É de somenos importância que se tenha ficado distante dela décadas, o que tem significado é a celebração da volta.
          Pode ser a terra mais inóspita, mais seca, mais miserável, que nela só produza cactos, macambiras, gramíneas nocivas, carrapicheiros, pega-pega, sensitivas e outras espécimes de terra pobre e desnutrida, mesmo assim, é o nosso paraíso, é o nosso orgulho, é o nosso chão e coitado daquele que dela falar. Não importa que o lugar seja Paris, Londres, São Paulo ou o mais pobre rincão do interior do Brasil, a emoção da volta é a mesma.
          Não importa a pobreza da maioria dos nossos conterrâneos ou a riqueza de poucos, tudo é motivo de alegria e de festa em cada reencontro. O reencontro, também serve para se fazer um ror dos que já se foram para sempre, dos felizardos, dos alquebrados, dos infelizes e daqueles que partiram para outras plagas e não deixaram parentes, aderentes, amigos, não deixaram rastros...
          Depois de muito tempo fora da nossa terra natal, quando se chega, tudo é diferente: as ruas, as casas, o movimento da cidade, as pessoas, é tudo diferente. Se a deixamos menino, quando se retorna, tudo que era grande aos nossos olhos outrora, parece-nos encolhido. É assim com a matriz, com o jardim, com a escola, com a feira e com os parentes mais velhos. Os nossos avós,os nossos tios, os nossos cunhados, as nossas cunhadas, os nossos padrinhos, os nossos irmãos mais velhos, os nossos conhecidos, suas aparências atuais, às vezes, se chocam com as nossas lembranças de suas imagens originais, muitas pessoas, agora, em situação decrépita, lastimável...
            A recíproca é verdadeira quando a situação é inversa. As crianças que deixamos em tenra idade, quando voltamos, não as reconhecemos. Encontramo-las, viçosas, feias, bonitas, baixas, altas, jovens, maduras, solteiras, casadas, cheias de projetos e sonhos. Algumas fiéis aos princípios bíblicos de: “crescei-vos e multiplicai-vos”; outras, mais comedidas. Aos olhos delas, nós, é que envelhecemos e diminuímos.
          Com raras exceções, as cidades quanto mais velhas mais remoçadas e o lugar onde nascemos e demos os primeiros passos não é diferente. Ou seja, à medida que o tempo passa, as ruas e as avenidas vão se alargando, imóveis mais verticais e maiores vão surgindo, novas praças ajardinadas são construídas, novas áreas de lazer vão aparecendo, o sistema de iluminação vai se modernizando e o serviço de infra-estrutura sanitária vai adquirindo padrões cada vez mais sofisticados. As ruas mais arborizadas e se um rio divide os seus terrenos, pontes cada vez mais modernas, vão ligando suas margens. O renascimento de uma cidade, sua mocidade, sua beleza e o seu amadurecimento, são refletidos na pujança do seu progresso e não no tempo de sua fundação.
           Depois de muito tempo fora do nosso solo, as brincadeiras mais ingênuas da molecada, a exemplo de empinar raia, soltar papagaio, pular corda, tomar banho pelado nos rios, nos açudes ou ribeirões, montar a cavalo, jogar gude, brincar de esconde-esconde, boca-de-forno, cabra-cega, tiro ao alvo, jogar pelada e por aí afora, têm um significado prático e pedagógico para o indivíduo, essas brincadeiras ajudam moldar o seu temperamento e contribuem para formação de cidadãos mais aguerridos, mais seguros emocionalmente, mais disciplinados, mais competitivos, mais cívicos. Essas atividades lúdicas e esportivas, ensinam que o medo, a moderação e o cultivo das normas sociais, trazem mais benefícios do que a imprudência, a desobediência e a negligência.
           E, em ralação às manifestações culturais? Não existe uma cidadezinha de qualquer rincão deste imenso país, que não haja artesanato, pintura, música, dança folclórica, poesia, literatura clássica, literatura de cordel, enfim, tudo que expressa o sentimento e tudo que constitui a identidade de um povo.
       Por isso, nunca é demais para exprimir esse sentimento inato do lugar onde nascemos e por circunstâncias diversas o deixamos, evocar o verso do poeta maranhense: “... as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. Não existe nada mais gostoso do que a volta ao lugar que nascemos...

Autor: Rilvan Batista de Santana
Gênero: crônica
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 08/07/2012
Alterado em 15/11/2022


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr