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Carta a um escritor

Carta a um escritor
R. Santana

“Feliz aquele que transfere o que sabe”



No início deste ano, vaidoso por estar dominando parcialmente certas funções do computador: o word, eu tive a pretensão de mandar uma carta para uma figura exponencial das letras da região do cacau. Embora não tenha lhe pedido resposta, considerando sua laboriosa atividade intelectual.
“Itabuna, 10 de fevereiro de 2006. Preclaro Senhor: leio sua coluna semanal no jornal A, há vários anos. Porém, somente agora, depois de comprar um computador (quatro meses de comprado), aprender o mister do seu uso, que tenho a pretensão de lhe escrever e trocar uns dois dedos de prosa, como dizia o nosso caboclo. Para mim, é uma honra pois o considero neste momento, um dos maiores escritores regionais do nosso estado e quiçá do Brasil.
Embora tenha passado uma vida lidando com os números de Pitágoras, Gauss, Descartes, e tantos outros expoentes da ciência dos números, sempre me deleitei com a arte do uso da palavra escrita e falada. Jamais iremos encontrar em nossos políticos atuais, o talento de um Cícero, um Diógenes, um Ruy Barbosa, um João Mangabeira, um Carlos Lacerda. Na arte de escrever, declinaria: um Platão, um Francis Bacon, um Aristóteles, um Dumas, um Eça, um Vitor Hugo, um Sidney Sheldon, um Morris West, um João Ubaldo Ribeiro, um Jorge Amado, um Adonias Filho, um Cervantes, um Érico Veríssimo e tantos outros luminares da nossa prosa e da nossa filosofia que me fogem à memória. Todavia, sem prejuízo histórico e sem demérito de todos os citados acima (não sou um crítico literário para fazer um juízo de valor e que a minha opinião deva ser considerada), particularmente, o nosso maior artista da prosa foi o Sr. Joaquim Maria Machado de Assis, este usava a palavra como um pintor usa o seu pincel com todos os cuidados e sutilezas de detalhes. Detalhes das linhas, das curvas, do brilho, das cores, dos contrastes, tudo que se exige numa obra de arte, principalmente, se ela teve a hegemonia e o olhar de um da Vinci, de um Miguel Ângelo, de um Meireles ou de um Van Gough. Machado de Assis usava a palavra como o escultor usa o seu cinzel para delinear toda beleza de uma escultura. Ele pode não ter sido um gênio da inspiração do enredo, mas ele foi um gênio na construção da língua, na sua concisão, na sua clareza, na precisão textual, nos parágrafos e períodos curtos e inteligentes e no realismo de sua época.
Guardando as devidas e respeitosas proporções, sem jactância, puxa-saquismo, eu o comparo ao mestre Machado. Acredito que pela facilidade de escrever o cotidiano, o dia-a-dia, a riqueza e o movimento que imprime em seus personagens, tornando-os “vivos” e simpáticos. Transformando personagens belicosos da terra do cacau em figuras românticas e ingênuas, fazendo da história de luta e sangue parecer uma estória de carochinha, onde cada episódio é narrado com cores e fantasias. O Senhor lembra-me também o saudoso Plínio de Almeida (o meu professor de História na Escola Comercial), porém, Plínio tinha falha na sua formação intelectual. Por temperamento irrequieto e vaidoso, queria açambarcar todo conhecimento do seu tempo e por ser um autodidata, tinha enormes falhas teóricas metodológicas. Porém, era um grande poeta, um cronista como poucos e com uma verve fácil e inteligente que jamais deixará de ser lembrado na nossa sociedade das terras do sem fim.
Embora alguns senões da crítica especializada e Jorge Amado não tenha sido um mestre do idioma, foi também um escritor com essa preocupação: de transformar seus heróis em personagens vítimas de um contexto exploração trabalhista e injustiças sociais. Não era um erudito, era um romancista popular. Não tinha a erudição de Graciliano Ramos que fala do sertão e da fuga do sertanejo pela inclemência do sol e falta de chuva e pasto para engorda, com maestria e leveza. Jorge Amado preferia explorar o lado romântico e mundano dos jagunços e dos coronéis. A vida de engodo das meretrizes e concubinas, a carolice das sinhás e o fanatismo singelo e simples da maioria daquele povo que construiu o Sul da Bahia. E, quando Jorge Amado adentrava em outras plagas literárias, a exemplo da biografia de Carlos Prestes e a história do comunismo no Brasil, tornava-se maçante, inferior, de talento duvidoso...
Mestre A. (permita-me o tratamento menos cerimonioso), a comparação que fiz com o mestre e Machado de Assis não foi gratuita. Embora Machado não tenha escrito temas regionais, fi-la considerando que tanto o senhor quanto ele primam pela clareza e leveza de estilo, tornando o texto inteligível e de fácil compreensão. Hoje é de somenos importância os textos com verborragia prolixa e incompreensível que alguns escritores teimam em usá-la, às vezes, para demonstrar conhecimento intelectual e profunda erudição, tornando-o chato e ininteligível. Difícil é escrever com simplicidade, ter capacidade de síntese e análise. Difícil é comunicar-se... Lembra-se de Sócrates e sua Apologia? Então, porque não falemos de Cristo, que pra falar do pai, do perdão, da justiça, do pecado e do amor, usava a forma mais interativa da linguagem simbólica: a parábola. Considerando ainda, que ambos, Cristo e Sócrates, não deixaram uma linha escrita do próprio punho, seus discípulos tiveram a incumbência de relatá-los para o mundo. Em nossos dias corridos e atropelados pelos fatos não existe espaço para uma literatura à euclidiana e alguns articulistas insistem em usá-la.
Pelo fato do Senhor ter conseguido em suas elucubrações intelectuais o domínio da palavra, transformou-se não em um historiador-escritor regional, com textos que não ficam devendo nada aos grandes articulistas do Globo, do Correio da manhã do Estadão e de tantos outros órgãos da comunicação deste país continental, chamado Brasil.
Enfim não é necessário responder-me, tomar-lhe-ia o seu tempo e o tempo é a principal moeda do político e do escritor. Na oportunidade, desejo-lhe muita saúde e vida longa para que possamos desfrutar das suas CRÔNICAS semanais.”

Autor: Rilvan Batista de Santana – ALITA

e-mail: rilvan.santana@yahoo.com.br



 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 22/06/2012
Alterado em 03/08/2012


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Imagem de cabeçalho: Sergiu Bacioiu/flickr