Textos


Superstição -R. Santana

   Todo homem é supersticioso, do mais ilustrado ao mais simples, do homem mais valente ao homem mais covarde, enfim, a superstição é da natureza humana, a superstição é atávica. Li alguns anos atrás, em Harold Robbins, que “o homem que não tem superstição não tem alma”, de lá pra cá, sou um supersticioso assumido, pouco me importa se alguém diz que eu sou um bronco, um limitado, um beócio, um abestalhado... Eu tenho as minhas manias: - Eu não como carne Sexta-Feira da Paixão, não passo embaixo de escada, eu me persigno várias vezes quando encontro um gato preto em noite escura, não tomo banho depois do café, acordo com o pé direito e, quando moleque, acreditava em lobisomem e Saci-Pererê.
     Com o passar dos anos, as superstições de fedelhos vão sendo substituídas pelas superstições de adultos, mais novas, mais modernas, porém, permanecem lá no recôndito da alma, elas não desgrudam nem o jovem nem o velho, todos os homens têm suas manias, até os malucos não escapam, é comum o dito popular: “cada doido tem sua mania”.
    Hoje, o atleta devoto leva o seu santinho protetor para ajudá-lo numa competição esportiva, o empresário consulta o seu horóscopo antes de ir para empresa, o artista acrescenta ou diminui letras ao seu nome para obter sucesso e os famosos têm os seus gurus e os seus fetiches. O pobre toma banho de sal grosso, água-de-cheiro, usa patuá ao pescoço, ou, usa dente de alho no bolso e folha de arruda atrás da orelha para tirar os malefícios, as bruxarias ou afastar o mal olhado.
    Coincidência ou superstição, eu tive um vizinho que chutou com bazófia, um ebó, uma macumba, na encruzilhada, numa Sexta-Feira 13, com farofa de dendê, galinha preta, velas de São Cosme e São Damião e um boneco espetado com agulhas. O pobre diabo perdeu a saúde e morreu pouco tempo depois; sua mulher, que além de chutar, esbravejou impropérios, foi vítima dum “derrame” que lhe deixou os movimentos de um braço e duma perna comprometidos e a fala embolada.
   Lá no interior do meu torrão sergipano, quando alguém quer desmanchar um forrobodó, lança pimenta malagueta no salão, instantes depois, o ardente fortum provoca espirros nos forrozeiros e a balbúrdia toma conta e acaba em briga.
  Quando moleque, colocava a vassoura com o cabo pra baixo, atrás da porta, toda vez que a minha mãe se sentia incomodada com a visita, não obstante o desdém de quem não acredita, não é que o diacho funcionava!...
    Sigmund Freud deixou no papel suas idéias de sonhos, mas prefiro a sabedoria do negro Cosme: “... sonhar com rio, água barrenta, não é coisa boa, agora, sonhar com gado, é saúde, é coisa boa, patrãozinho!”, depois destes e doutros vaticínios, o negro Cosme tomava algumas talagadas de cachaça (a primeira oferecia ao santo) “murcha venta”, sem cerimônia, indicava-me ao bodegueiro como o dono do prejuízo, eu pagava com gosto, pois gostava de ouvir as estórias e as lorotas de negro Cosme, aprendia mais sobre o assunto, com suas bazófias, do que com a sabedoria dos doutos.
   O teatro, mundo de sonho e ficção, de que tudo pode, também cultiva suas superstições, o ator pronunciar a palavra “merda”, antes de pisar no palco, é garantia de sucesso, porém, ninguém pronuncia a palavra “Macbeth” para representar a popular peça de Shakespeare, a substitui pela expressão “peça escocesa”, “Macbeth” traz maus augúrios, maus presságios, é sinistro na certa...
     Um mau augúrio, entre nós nordestinos, é o grunhido da coruja branca, a “rasga-mortatlha”. Se alguém está enfermo numa cama e essa ave agourenta começa o seu canto fúnebre ao amanhecer do dia, o Sol sem ter nascido, a família do moribundo pode se preparar porque é caixão e vela...
     Diz a sabedoria popular que a investida insistente de mosca é outro presságio não menos lúgubre do que a coruja “rasga-mortalha” de um enfermo. Não é aquela mosca que importunou o presidente Barack Obama e acabou sovada em sua mão, aquela deve ter “pedigree”, a mosca agourenta é um espécime “vira-lata”, nojenta, chula e asquerosa.
     Na última semana junina, usei e abusei de churrasco, calabresa, lingüiça, maionese, amendoim, milho cozido, feijão-tropeiro, tira-gosto, batata-frita, cerveja e licor, na beira da praia ilheense, fui parar no PA do Hospital Calixto Midlej, com uma crise hipertensiva que não recuava... Logo, a vizinha avisou à minha família que tinha ouvido naquelas noites o “canto” da rasga-mortalha. Hoje, a minha superstição tornou-se obsessiva: durmo e penso que vou morrer e acordo e penso que estou morto!...

Autor: Rilvan Batista de Santana
Academia de Letras de Itabuna - ALITA
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Imagem: Google 






















 
Rilvan Santana
Enviado por Rilvan Santana em 18/06/2012
Alterado em 15/03/2024


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